segunda-feira, 12 de fevereiro de 2018

A VOZ DO POVO

O Brasil, definitivamente, é um país a ser estudado em profundidade. Não é para os fracos, não é para amadores.

Fomos mergulhados numa ditadura imposta pela estrutura estatal - Poderes Legislativo e Judiciário, Ministério Público e órgãos do Executivo, como a Polícia Federal -, secularmente organizada e treinada para defender a casta que governa o país desde Cabral e para alijar dos centros de poder o povo e quem quer que o represente - e parecia de fato que esse povo havia aceitado passivamente a condição imposta. Parecia. Até que, em pleno carnaval, eclodiu na Sapucaí uma escola de samba poucas vezes lembrada que marcou seu nome na História com um enredo em que, ao mesmo tempo, denuncia o golpe e o retrocesso.

"Meu Deus, Meu Deus, Ainda Existe a Escravidão?" pergunta a escola em seu samba-enredo, que ela mesma responde com seus carros alegóricos, suas fantasias e blocos que retratam a exploração do homem pelo homem desde os primórdios e terminam expondo um vampiro com faixa de presidente que nos suga o sangue, o suor e os direitos trabalhistas. Mas o ponto alto ficou nas entrelinhas, nos entrededos que manipulam foliões vestidos de verde-amarelo, com camisetas da seleção brasileira, envoltos por um pato amarelo, sobre os quais paira a gigantesca mão visível de um agente invisível, que todos sabemos de quem se trata. É o retrato dos "manifestoches", referência aos manifestantes fantoches que foram às ruas reivindicar o afastamento de uma presidenta honesta para substituí-la pelo desastre que aí está. O nome perfeito do bloco, atirado ao vivo e a cores nas telas da manipuladora, da emissora de TV que detém o monopólio da transmissão dos desfiles de carnaval e da narrativa político-social do país.

De longe, este já é o Carnaval mais politizado de todos os tempos. Começou com o resgate das marchinhas com teor político explícito, passou pelos blocos carnavalescos que ecoaram sua voz contra o golpe, pelo trio elétrico da Bahia que puxou um uníssono "vai dar PT", invadiu o aeroporto Santos Dumont ao som de "fora Temer" e uma homenagem expressiva ao prefeito fundamentalista do Rio Marcelo Crivela, culminando com o desfile encantador da escola Paraíso do Tuiuti. Tão maravilhoso que nem os comentaristas da própria Globo, alvo do protesto, conseguiram esconder a empolgação e tiveram de reconhecer que, nas arquibancadas, foi o samba-enredo mais cantado, e com mais força, pelo povo.

A Globo acusou o golpe ao editar e reproduzir, na tarde de segunda-feira, nos tradicionais "compactos" dos desfiles, uma exibição absolutamente silenciosa. Não se ouviu, durante todo o compacto da passagem da escola pela Sapucaí, um único comentário a respeito das cenas mostradas, embora escolhidas a dedo, em que foram omitidos os pontos altos da manifestação política.

Parecemos um povo cordato e cordeiro, mas só parecemos, e o que leva a esse engano é nossa alegria esfuziante, nossa capacidade de enfrentar os problemas de uma maneira festiva. De fazer da limonada um limão azedo espremido nos olhos da elite. Não nos enganemos, este povo sabe onde lhe aperta o calo e saberá a hora de reagir a tudo o que estão tentando impor-lhe.

E viva o povo brasileiro!

(Luís Antônio Albiero, 12 de fevereiro de 2018