sábado, 6 de outubro de 2007

Suprema coragem

Foi sem dúvida uma atitude corajosa do Supremo Tribunal Federal (STF) a que consagrou a tese de que os mandatos eletivos pertencem aos partidos. Pelo mérito político, eu a aplaudo. Sempre fui defensor de que o partido deve mesmo ser o detentor dos mandatos. Lembro-me de que, em 1996, embora tendo sido o quinto candidato a vereador mais votado da minha cidade, acabei não sendo eleito porque meu partido não atingiu o quociente eleitoral (número mínimo de votos necessários para que um partido ou coligação conquiste uma cadeira no parlamento). Muita gente veio me dizer que era uma injustiça, que não deveria ser assim. Contrariando a todos os que esperavam minha concordância com essa opinião, eu dizia, inclusive em entrevistas às rádios locais, que, embora tendo sido vítima do processo, considerava-o correto. Justamente porque ele prioriza o partido - o conjunto de idéias, a ideologia -, e não o candidato. A legislação eleitoral brasileira, com raiz na Constituição, repudia o individualismo, o personalismo.

Faço, porém, uma observação de ordem eminentemente jurídica. A decisão do Supremo foi corajosa não apenas quanto ao mérito político, mas sobretudo sob o aspecto jurídico-formal, pois, cá entre nós, o STF atropelou a Constituição. Explico: o que os ministros fizeram foi adotar (aliás, criar) uma hipótese de perda de mandato que não está prevista na Constituição.

Há um princípio, ou uma regra de hermenêutica, segundo a qual as normas restritivas de direito devem ser interpretadas de forma estrita. Perda de mandato é hipótese que, mais do que restringir, ceifa o direito de quem o recebeu diretamente da população. Logo, as seis hipóteses constitucionais de perda de mandato (art. 55 da CF) constituem "numerus clausus", não admitem ampliação ou interpretação extensiva. O inc. V prevê expressamente que a perda só será decretada pela Justiça Eleitoral “nos casos previstos nesta Constituição”. E somente nela, portanto.

E mais: o “caput” do art. 55 diz textualmente que quem “perderá o mandato” é “o deputado ou senador”, denotando com absoluta clareza que a Constituição atribui ao parlamentar o domínio do mandato, e não ao partido. Ora, nessa particular acepção do verbo “perder”, pode-se afirmar que não se perde o que não se tem, o que é alheio.

Além disso, o estabelecimento de normas de fidelidade partidária compete a cada partido, no âmbito do respectivo estatuto, conforme art. 17 da mesma Constituição Federal. A propósito, salvo engano da minha parte, a única agremiação partidária brasileira em cujo estatuto está escrito que ao partido pertencem os mandatos eletivos é o PT, ao qual sou filiado, que sempre lutou para que as coisas fossem tal e qual o Supremo (só agora) veio a julgar. Portanto, sendo verdadeiro que só o PT tem tal previsão estatutária, parece-me que apenas os parlamentares petistas - suprema ironia! - poderiam (em tese) sujeitar-se à perda de mandato por infidelidade partidária...

Por um lado, que bom que o Supremo tenha rompido com todas essas concepções construídas a partir do direito positivo, as quais, afinal, são de índole conservadora. Alguém tinha que tomar peito, diante da inércia do Congresso Nacional. Mas não deixa de ser preocupante essa quebra da ordem jurídico-institucional. O papel do Supremo - perdoem-me o conservadorismo explícito, neste passo - é defender a Constituição, zelar por sua aplicação. Não lhe cabe legislar, criar norma... muito menos frustrar a vontade popular legitimamente manifestada em processo eleitoral.

Experimentemos inverter o ângulo de exame da questão: que conduta deve ter um parlamentar eleito por determinada agremiação partidária quando, no curso do mandato e segundo seu juízo, o partido tiver fugido à orientação original, descolando-se dos compromissos ideológicos assumidos? Alguns ministros chegaram a ventilar a possibilidade de, em casos tais, dar-se tratamento de exceção à regra recém-consagrada pelo Supremo, aludindo ao direito à ampla defesa etc. Essa saída forçada, esse "jeitinho jurídico", porém, só deixa escancarado que falta uma regulamentação do tema, o que só pode ser feito mediante lei complementar e pelo Poder que detém legitimidade para tanto, o Legislativo.

Na inércia deste, por que não pensarmos com seriedade numa assembléia nacional constituinte com poderes (derivados) para reforma parcial da Constituição Federal, voltada com exclusividade à reforma política, como recentemente proposto pelo Partido dos Trabalhadores?


***

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Assembléia Legislativa: amarrada e amordaçada

Artigo de minha autoria intitulado "Assembléia Legislativa: Amarrada e Amordaçada" foi inserido na seção Em Discussão do informativo Assembléia Permanente, editado pela bancada de deputados estaduais do PT, da qual sou assessor jurídico.

No texto, faço uma avaliação jurídico-política do relacionamento entre os poderes Executivo e Legislativo no Estado, marcado pelos expedientes maliciosos de que os governistas, sob a batuta do maestro José Serra, vêm lançando mão na tentativa de sufocar os parlamentares paulistas - sobretudo e particularmente os da oposição, com flagrante indiferença dos situacionistas.

Para minha surpresa e alegria, o deputado Rui Falcão fez generosos comentários sobre o artigo em discurso que proferiu na sessão ordinária de hoje da Assembléia. Leu algumas passagens do texto e, ao final, requereu a sua publicação na íntegra no Diário Oficial, o que foi aprovado.

Para acessar a página oficial da bancada do PT, clique aqui. Para ir direto ao meu texto, na referida página, clique aqui. Ou acesse a seção Papo Legal, deste blogue.

Ao companheiro deputado Rui Falcão, meus sinceros agradecimentos. Aos colegas de imprensa da Liderança, responsáveis pela publicação - Rosário, Silvana e Cleusa - um beijo especial. Ao Glauco (que é Piai, mas não é de Capivari), o único varão da mesma equipe, um abraço. O informativo Assembléia Permanente está, sem dúvida, entre as melhores publicações eletrônicas do país, pois é feito por essa gente, que é da maior competência. Vale conferir.