sábado, 19 de julho de 2008

Verdadeiras mentiras

Amigos leitores, vós decerto não acreditareis! Lembrai-vos do meu artigo anterior, duas postagens abaixo, intitulado "Nove graus na 'escala ACM' "? Pois é. Não é que o próprio prefeito resolveu respondê-lo, em artigo publicado no Jornal da Cidade de sábado passado? A edição de hoje está circulando com minha tréplica, cuja íntegra vai abaixo postada. E eu a escrevi antes de saber da renúncia do vice-prefeito Arlindo Batagim Júnior "por incompatibilidade de valores éticos, morais e sociais do executivo", como ele disse na justificativa à sua atitude:
Verdadeiras mentiras
Luís Antônio Albiero (*)

Ora, ora! Já que Sua Alteza abdicou de toda pompa e majestade a ponto de desgrudar suas nádegas reais do trono, descer as escadarias do palácio, atravessar o fosso que o separa da plebe e vir até o lado de cá para rebater um inaudível apupo deste humilde súdito, não me resta alternativa senão prestar-lhe, genuflexo, as mais que devidas e justas reverências.

O episódio fez-me lembrar de um livreto escrito em inglês, “The Truth Machine”. Narra a história de um sujeito que inventou a máquina da verdade e, para testá-la, atraiu voluntários para servirem de cobaias. A última cobaia foi um agente do serviço secreto americano, homem acostumado a lidar com verdades e mentiras. Submetido à máquina, o camarada primeiro afirmou que tudo o que diz é sempre verdade. O veredito do aparelho deu positivo. Mais tarde, porém, ele disse que havia mentido daquela primeira vez. Em resumo, o espião deu um nó na máquina e deixou louco seu inventor.

Essa historinha me inspirou a pensar na possibilidade de reconsiderar aquilo que escrevi no artigo anterior, que, não sei por que cargas d’água, mereceu tanta atenção do Rei Carlos I e Único – outrora mais conhecido como Pock.

Borsari, o verdadeiro, começa sua réplica já com uma verdade irrefutável. Sou mesmo mais conhecido como “Luisinho do PT”. Só que com “s”, por favor. De fato, sou Luís e, reduzido ao mais reles dos plebeus, hei de me conformar em ser apenas Luisinho, fazer o quê? E sou do PT, há mais de vinte anos, com muita honra, com muito orgulho. Que bom que Pock me fez lembrar disso tudo. Ser-lhe-ei eternamente grato por isso!

Bom mesmo foi constatar o quanto Pock, hoje mais conhecido como Borsari, evoluiu. Aprendeu a escrever, o menino! Jamais me passaria pela mente que ele se permitisse assinar um texto redigido por outra pessoa. Ora, veja! Quando pensei que um Ravengar qualquer pudesse vir à cena para defender Sua Alteza, eis que ele mesmo o fez, em nome próprio! Não como prefeito, mas como “presidente do PDT”. Borsari, o autêntico, só não foi feliz ao criar um plural para zero (“zero ‘graus’...” está no título). Tudo bem, ninguém é perfeito.

Melhor ainda foi constatar que Borsari, o leal, ainda se lembra que fiz parte do grupo que o levou à prefeitura em 2000 e que, apesar de todos os pesares, mantive minha lealdade por dois longos anos. Não alcancei o recorde que só seria batido recentemente por Arlindinho e Flávio, claro, que foram leais por oito anos, para só ao final desse período terem a grata oportunidade de provar o gostinho do excesso de lealdade de Sua Alteza. Vitão, Rodrigo e André, decerto por serem mais jovens, foram mais afoitos, romperam já no primeiro dia, logo após a posse, em 2005. Não suportaram tanta lealdade!

E é ainda mais gratificante observar as referências que Borsari, o generoso, faz ao governo Lula, que só em 2007 destinou R$18.883.308,73 à prefeitura de Capivari. Afinal, o que representa essa mixaria para o orçamento de um município abastado como Capivari? Taí o “PIC do Pock” a todo pique, nau que não vai a pique, a não me deixar mentir!

Ah, sim. Borsari refere-se ao fato de eu ter ido morar em outro município. Claro, claro. Como pude eu, sendo agora forasteiro, meter-me a dar palpite na política de Capivari? E chega a ser inebriante ver Borsari, o coerente, aliar-se ao discurso dos que o combateram e ainda o combatem justamente por ele ser “forasteiro”, como dizem (vade retro, preconceito!), e por ter em sua Corte assessores oriundos de reinos vizinhos... A propósito, Borsari, que é generoso e que é coerente, certamente deve ter tido justas razões de sobra para “premiá-los” com tais cargos.

Mais coerente ainda quando Sua Alteza afirma que eu estaria tentando reconstruir um partido que enterrei, cujos companheiros de luta traí e abandonei. Então é isso: enterrei, traí, abandonei, mas, mesmo assim, tento reconstruir. Confesso minha incapacidade intelectual para compreender lógica tão profunda.

E, claro, mereço mesmo as críticas referentes ao fato de eu ter-me reconciliado com pessoas que, como ele diz, “combati” no passado. Reconciliação há de ser um pecado indesculpável no reino de Sua Alteza. Penitencio-me, Majestade!

Longe do crivo do detector de mentiras e dos sistemas lógicos, vejo-me compelido a, servil e reverentemente, reconhecer que Borsari nada fez para prejudicar as candidaturas de Arlindinho e de Flávio de Carvalho, ensaiadas ao longo de quase uma década. A de Roquinho Forner só brotou nos últimos quinze minutos da convenção porque, afinal, tinha que brotar. Fenômeno muito comum em política, esse da “geração espontânea”. Tsc, tsc! Vivendo e aprendendo...

Então, verdade seja dita. Borsari é leal, correto, autêntico, verdadeiro, generoso, um poço de bondades. Enfim, um grande prefeito. E eu...? Bem, hei de me conformar à condição que Sua Alteza me impôs: sou um incorrigível mentiroso!

(Luís Antônio Albiero, 44, é advogado, ex-vereador de Capivari, assessor jurídico da bancada do PT na Assembléia Legislativa de São Paulo)

sexta-feira, 4 de julho de 2008

O endereço que tive de cortar

Acabo de remeter uma mensagem eletrônica a um grupo de amigos de Capivari contendo o artigo postado abaixo, em que reflito sobre o quadro sucessório local. Ao conferir os endereços cadastrados, foi com intensa dor que me vi obrigado a cortar um deles, não por vontade própria, mas por obra do destino. O endereço era o de Ismael Sanches, ex-vereador de Capivari, locutor de rádio, advogado. Sobretudo, era meu amigo, meu irmão. Meu mestre, que me inspirou a cursar Direito, que me inspirou a ingressar na vida pública, que me deu lições inestimáveis de superação.

Ismael, que era adventista, morreu no sábado, pela manhã. Foi enterrado quando já não era mais, como dizem seus irmãos de fé, o “Dia do Senhor”, pois eram seis horas da tarde e o sol já se havia posto. No dia seguinte, na Plastcap, ocorreram as convenções dos partidos que integram o grupo de oposição. Ismael, que vivia às turras com a administração municipal, certamente teria aparecido por lá. Na segunda-feira, foi a vez do grupo situacionista fazer o mesmo, na Câmara, quando o prefeito impôs o seu candidato. Roquinho Forner foi amigo de infância de Ismael, na Usina Santa Cruz, palco do acidente que na adolescência danificou-lhe a coluna cervical e lhe comprometeu os movimentos físicos pelo resto da vida. Ismael certamente também teria gostado de estar lá, quiçá para dar seu apoio ao ex-companheiro de corte de cana.

Conheci Ismael na minha pré-adolescência, primeiro pela voz. No “bar do Tota”, o rádio era meu melhor companheiro nas longas horas de ociosidade. À tarde, logo após o programa esportivo da Rádio Cacique, eu ouvia o “Parada 680”, apresentado por Ismael. Tempos depois, ele veio a apresentar “A Pista do Som”, e, mais tarde, o sertanejo “Estradas da Vida” nas noites de sábado.

Conheci-o pessoalmente no mesmo bar de meu tio. Ele havia-se tornado meu vizinho e lá apareceu para comprar cigarros – Hollywood, se não me engano. Anos depois, quando eu já trabalhava na “Tribuna Regional”, Ismael foi contratado para ser o redator do jornal. Foi quando nos tornamos amigos. Ele e Jorge Panserini passaram a publicar a coluna “Freskynhas” na “Tribuna”, depois de muito tempo de sucesso no “Jornal da Cidade”. Foi nessa convivência que despertei para o Direito.

Lembro-me do esforço de Ismael, que então morava perto da Santa Casa, para atravessar caminhando toda a cidade até chegar na sede da Tribuna, perto da escola Augusto Castanho. Mais tarde, testemunhei sua alegria ao ser apresentado ao primeiro automóvel que comprou. Por ser hidramático, exigia menos movimento dos pés, o que lhe permitia dirigi-lo.

Ismael tinha alma de criança. Numa ocasião, na Tribuna, ele passou um trote em ninguém menos do que o poderoso Antônio Mattar. Imitando a voz do prefeito da época, Júlio Forti Neto, telefonou para o patriarca da família Mattar e disse: “Toninho? Aqui é Júlio. Venha já para cá!” E bateu o telefone. Em seguida, com o carro hidramático, fomos juntos ver o resultado. E, de fato, a “banheira” azul de Mattar (um Galaxie) estava estacionada bem defronte a prefeitura.

Em certa ocasião, no início dos anos 80, num aniversário na casa do Professor Bolinha, conversávamos eu, ele e Jorge, dentre outros amigos. Cheguei a sugerir que fundássemos o PT em Capivari. Todos aquiesceram, mas alguém (creio que tenha sido Gérson Leite) informou que no final de semana seguinte um grupo já estaria organizando o partido na cidade. Tímido demais, não fui ao evento. Ismael, então, já estava inclinado a ser candidato a vereador pelo PMDB.

Minha primeira participação ativa na política local foi em 1982. Por lealdade ao amigo, embora já petista de coração, fiz campanha para Ismael, que foi o mais votado e se tornou o presidente da câmara. Para prefeito, votei em José Carlos Colnaghi, enquanto ele apoiava Zico. Eram os estertores da ditadura militar e vigorava o voto vinculado, em que o eleitor deveria votar em candidatos do mesmo partido.

Filiei-me ao PT em 1986 e, eleito vereador em 88, vim a ser companheiro de Ismael na câmara, ele reeleito pelo PMDB. O prefeito era Colnaghi. Nesse momento, as posições se inverteram. Ismael era aliado de Zé Carlos, enquanto eu fazia-lhe oposição. A despeito dessa e de outras divergências, fizemos uma excelente parceria naquela legislatura, que foi de 89 a 92. Ismael destacou-se, sobretudo, pela defesa do meio-ambiente, pelo vigoroso combate às queimadas de cana-de-açúcar.

Em 1996, candidato a prefeito, Ismael insistiu em vão para que eu fosse seu vice. Em 2000, ele já não estava mais no cenário político. Fez apenas uma aparição, em vídeo gravado, exibido em comício, apoiando Borsari. Dali por diante, mergulhou em sua segunda paixão, o rádio.

Durante as eleições presidenciais de 2006, pela FM Alternativa ele passou a tecer duríssimas críticas ao governo Lula. E fazia o mesmo por e-mail, enviando-me mensagens que eu respondia com veemência. Fui excessivamente ríspido com ele numa ocasião, o que o deixou muito chateado comigo. No ônibus de São Paulo para Campinas, na volta do trabalho para casa, vim escrevendo, numa agenda, um longo pedido de desculpas. Nunca, porém, digitei aquele texto, nunca mais falei com Ismael a respeito. Aliás, nunca mais conversei com ele sobre qualquer assunto, embora eu regularmente lhe remetesse textos pela internet. Que ele jamais respondeu.

Meu amigo foi-se no “Dia do Senhor” sem ter-me concedido o perdão. Meu peito agora carrega essa tristeza, mas reconforta-me a certeza de que em seu coração infantil não havia lugar para rancores.

Nove graus na “escala ACM”

Luís Antônio Albiero (*)

Se a escolha de Luís Donisete Campaci como candidato do grupo de oposição causou fervor nos meios políticos, como qualificar o que resultou da decisão do prefeito Carlos Borsari de impor a candidatura de Roquinho Forner pela situação? Abalo sísmico, terremoto de elevadas proporções? Parece pouco.

O ex-presidente da República João Batista Figueiredo certa feita disse em entrevista, só publicada anos após sua morte, que se fosse possível medir a maldade, o ex-governador da Bahia, ex-ministro e ex-senador Antônio Carlos Magalhães seria unidade de medida. Examinando a política capivariana, Figueiredo bem poderia dizer que a imposição do prefeito Borsari teria registrado uns nove graus na “escala ACM” – reservemos o grau máximo para o próprio coronel baiano, recentemente falecido.

Nada contra Roquinho, muito pelo contrário. Cidadão simpático, amigo de todo mundo, gente boa. Mas como pôde Borsari deixar de corresponder à lealdade que sempre lhe dedicou o vice Arlindo Batagim, duas vezes seu companheiro de chapa vitoriosa e seu secretário? É certo que lealdade é uma plantinha que não costuma vicejar no terreno das manobras políticas, mas o prefeito não precisava ter exagerado.

Quem, em pleno uso das faculdades mentais, imaginaria, um ano atrás, um mês atrás, uma semana atrás, o cenário hoje colocado ao eleitor capivariano? Um confronto entre apenas dois candidatos, um de oposição e outro de situação, ambos novatos na disputa eleitoral, nenhum deles com passagem por qualquer cargo público eletivo. Experientes na administração privada, seja própria (empresários, os dois) ou coletiva (um à frente do CNEC; outro, do Capivari Clube), as semelhanças de perfil, porém, terminam por aí. Campaci tem penetração na classe média, junto aos formadores de opinião, enquanto Roquinho é figura popular com fácil trânsito por todas as camadas sociais locais.

O diferencial significativo entre ambas as candidaturas, no entanto, reside nos processos que a elas conduziram. Campaci surpreendeu ao aproximar-se do grupo de oposição, há quase dois anos, anunciando que contava com o aval de José Carlos Colnaghi, que parecia fadado a ser eterno candidato do PMDB. E não é que tinha mesmo? Colnaghi até esteve na convenção, neste final de semana, e fez discurso apoiando o companheiro de partido. Depois, sorriu-lhe a sorte. Um a um, seus possíveis adversários dentro do grupo foram cedendo espaço. Pela ordem cronológica, Doutor Reis, Doutor André, Rodrigo Proença, Vitão e Vadinho Ricómini, culminando com Júnior Pacheco, que vinha liderando a corrida sucessória com voltas de distância sobre o segundo colocado, mas que na última volta, na última curva, resolveu encostar a Ferrari que pilotava (uma equipe respeitável de nove partidos, com mais de setenta candidatos a vereador). Enfim, entre mortos e feridos, enterraram-se todos. Obstinado, quiçá predestinado, Campaci é o candidato da oposição, agora mais firme do que jamais ele próprio poderia ter imaginado. Vai enfrentar o candidato da imposição.

O mais perspicaz dos eleitores capivarianos está atônito. A surpresa causada pela escolha de Campaci terá provocado algum distúrbio na capacidade de raciocínio de Borsari? Político hábil e experiente, será que ele não percebeu que com Arlindinho, segundo colocado na corrida, ficaria mais fácil vencer? Claro que sim. Mas ele percebeu algo além. Se Arlindinho sempre foi leal, nunca foi bobo. Em campanha, se quisesse ganhar, teria que fazer discurso contrário ao continuísmo. E, claro, teria dificuldades para defender o governo Borsari. A Roquinho só resta fazer a defesa da administração que se encerra, custe o que custar. Ganhe ou perca, é seu dever. Afinal, sua indicação é obra exclusiva do atual prefeito.

Campaci não pode mesmo reclamar da sorte. Ainda que também novato na disputa eleitoral, está em evidência há mais tempo que seu adversário. E tem a seu lado pesos-pesados da política local, como os jovens vereadores Rodrigo, Vitão e André, atuais estrelas da Câmara Municipal, dos poucos exemplos positivos de uma legislatura que se registra na história local por conta de fatos não exatamente abonadores. Tem o apoio dos ex-prefeitos Colnaghi, Júlio Forti e Vadinho, ao lado de muitos ex-vereadores. Tem Júnior Schumacher Pacheco como vice. Mas o fator mais importante é que sua candidatura, a despeito de inevitáveis narizes torcidos, de alguns já contornados descontentamentos nas bases dos partidos aliados, foi construída positivamente. Foi fruto de um longo processo de articulação, que só foi possível graças à disposição sincera de todos os líderes partidários envolvidos, que souberam administrar as próprias vaidades. É ele, pois, candidato de uma união verdadeira, natural, sem artificialismos. Roquinho, ao contrário, é o candidato da ruptura, da quebra de uma aliança histórica, que vitimou não apenas o atual vice-prefeito, Arlindinho, mas também o ex-secretário de cultura, Flávio de Carvalho, que alimentava esperanças de ao menos compor a chapa como vice e que se colocava como alternativa para o cargo principal.

Esse é o quadro, antes inimaginável, imponderável, inverossímil. Sem as históricas estrelas da política local na disputa para o cargo maior que pudessem despertar paixões. Sem grandes causas que pudessem motivar e movimentar o eleitorado. Desenha-se no horizonte um pleito chocho, burocrático. Enfim, vamos ao plebiscito. Renovação versus continuísmo. Oposição versus imposição. Será mesmo? Ou haverá espaço para novos lances espetaculares, novos terremotos? Fiquemos de olho nas oscilações da “escala ACM”.
(Luís Antônio Albiero, 44, advogado, ex-vereador de Capivari, assessor jurídico dos deputados estaduais do PT na Assembléia Legislativa de São Paulo)