domingo, 25 de novembro de 2012

NINGUÉM CHEGA AO STF POR MÉRITOS PRÓPRIOS

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Joaquim Barbosa, já mencionei, é um dos ministros melhor preparados dentre os que hoje compõem o STF. Sua formação jurídica é das mais sólidas e invejáveis e sua trajetória de vida – pessoal e profissional – lhe fornece arcabouço suficiente para enfrentar os desafios que lhe proporciona o ministério supremo. Mas não me venham com essa história de que ele chegou lá “por seus próprios méritos”.

Nem ele, nem o grande Ricardo Lewandowski, nem o decano, nem meus conterrâneos de Capivari, Moacir Amaral dos Santos e Joaquim Salvador de Toledo Pizza e Almeida, nem todos os demais ministros da história do Supremo Tribunal Federal a ele chegaram “por” seus méritos próprios. 

Que todos chegaram “com” méritos, uns mais, outros menos, não tenho a menor dúvida, mas é tolice insistir nessa falsa ideia. Joaquim Barbosa só chegou ao Supremo, sim, por ser negro e por ter sido indicado pelo então presidente Luís Inácio Lula da Silva. Foi, sim, por uma corajosa decisão de Lula, que comprou a ideia de adotar uma “cota para negros” na mais elevada Corte judicial brasileira, que Barbosa obteve a indicação.

Não fosse a disposição política de alastrar a representatividade da comunidade negra por todas as instituições – universidades, serviço público, tribunais –, nascida nas lutas dos próprios negros e que teve guarida no ideário do Partido dos Trabalhadores, Barbosa não estaria lá hoje e, enquanto esse mesmo partido não assumisse a presidência da República, o Supremo não conheceria um afrodescendente em seus quadros tão cedo.

Divirjo da maneira arbitrária e truculenta como Barbosa vem conduzindo os trabalhos como relator do caso AP-470 e temo por sua conduta na presidência da Corte, mas não lhe nego, nem poderia, os méritos que proporcionaram que, dentre tantos outros juristas de todas as raças, tão ou melhor preparados do que ele, o hoje presidente do STF despontasse e motivasse Lula a escolhê-lo para o cargo.

Barbosa presidindo um dos Poderes da República é bem o retrato do novo Brasil, que começou a ser desenhado a partir da elaboração da atual Constituição e que vem ganhando corpo desde a posse de Luís Inácio Lula da Silva na presidência da República - sem demérito de seus predecessores. Este, sim, o menino pobre, filho da miséria real, que mudou a história deste país. Que também só chegou lá não apenas por seus próprios méritos, mas, sobretudo, pela maturidade de seu partido e pela soberana vontade do povo brasileiro.

sábado, 24 de novembro de 2012

AOS 49 DO PRIMEIRO TEMPO

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Estou almoçando num "shopping center" e noto um garoto de uns oito anos de idade parado próximo de minha mesa, olhando para mim. Dirijo meu olhar para ele com ar de “o que foi?” e o menino, envergonhado, sai correndo.

Fico pensando no que o garoto poderia estar pensando ao fixar seu olhar sobre mim. Imagino-o fitando um sujeito gordo e grandalhão, de cabelos ostensivamente grisalhos, comendo feito um porco, com desajeitada voracidade. Ele decerto não sabe, mas tem diante de si um advogado bem sucedido na profissão, embora o saldo bancário insista em dizer o contrário. Um sujeito que arrasta atrás de si uma longa história de vida, exatos quarenta e nove anos completados naquele dia, talvez naquele momento.

Pondero, de mim para mim, como as aparências enganam. Quem me vê não imagina que, na verdade, sou eu um garoto de oito anos de idade. Não o menino desconhecido que me observava há pouco, mas o distante pirralho que fui um dia e que permaneci sendo até hoje e assim hei de permanecer até que me fechem num esquife – ao final não do segundo tempo, mas de longa prorrogação.

Concluo, de inopino, que os adultos, as pessoas maduras, os velhos, não passam de crianças crescidas. Passamos a vida acumulando conhecimento, experimentando emoções, lidando com alegrias e frustrações, aprimorando ideias, mas mantemos a mesma puerilidade com que percebíamos a vida à nossa volta na infância. As primeiras percepções são as que ficam. Os mesmos pudores, as mesmas chateações, as mesmas birras. Magoamos e nos magoamos com a mesma facilidade com que perturbávamos e éramos perturbados pelos amiguinhos e coleguinhas dos primeiros anos de existência – e estávamos a décadas de conhecer a palavra "bullying" ou o conceito de assédio moral.

Quem me vê deve me imaginar um sujeito cheio das certezas, aferrado às próprias convicções, o dono da verdade, dela mesma, da Verdade verdadeira. Não adianta sorrir, expressar simpatia, ter a humildade para ouvir e aprender, há sempre quem me veja como homem feito, seguro como um edifício construído sobre firme alicerce. 

Qual nada. Ainda trago no espírito os mesmos temores e as mesmas inseguranças que tinha aos oito anos de idade. Ainda nutro um medo danado de cair na rua e desabar num choro doido e doído, daqueles em que tudo o que se quer é o socorro e os cuidados da mãe – que, no meu caso, já nem mais está entre nós. 

Dia desses, ao entrar num restaurante, tropecei no tapete da entrada e mergulhei sobre a primeira mesa que encontrei pela frente. Não desandei a chorar, como temia, só senti dor no tornozelo, mas os dois sujeitos que me acudiram tiveram o zelo de despertar em mim, pelo menos, o sentimento da vergonha. “Fique tranquilo, não ligue porque as pessoas estão olhando”, aconselhou-me um deles. Foi só então que enrubesci envergonhado e segui meu caminho sem conseguir olhar para as demais pessoas que estavam ali, embora tenha sido possível perceber que nenhum outro freguês notara o ocorrido. Apesar disso, ainda não tive coragem de retornar ao restaurante.

Agora estou aqui, no "shopping", pensando nos meus quarenta e nove anos completados agora há pouco, comendo, que é para não perder o costume. Termino, dou uma passada no banheiro e me deparo com minha enorme figura refletida nos grandes espelhos do lugar. Como diria Roberto, “o tempo parou para eu olhar para aquela barriga...” De novo, senti vergonha. Saí dali correndo, como criança fugindo de algum fantasma. 

Onde raios está aquele menino de oito anos de idade?


segunda-feira, 12 de novembro de 2012

MINHA SOLIDARIEDADE A JOSÉ DIRCEU


Esta foto foi tirada em 1992. Eu era candidato a prefeito de Capivari. Quando me apresentei, ele comentou "Capivari, terra de Almir Pazzianotto", demonstrando carinho pela cidade e pelo ilustre conterrâneo, ex-ministro do Trabalho. Em seguida, me disse: "tomara que você vença".

Hoje, vinte anos depois, os ministros do STF condenaram José Dirceu a mais de dez anos de prisão por um crime cuja existência desafia a lógica, que não existiu e, p
ior, sem que tenha havido qualquer prova de sua participação nesse não-crime.

Em primeiro lugar, a acusação de "corrupção ativa" é pura bobagem jurídica, no caso do ex-ministro. Uma estúpida tentativa de criminalizar a atividade política. O ministro da Casa Civil é uma pessoa que tem o dever de representar o governo federal nas negociações com os membros do Congresso Nacional. Age, portanto, em nome do governo. Não é um "particular", condição essencial para que ocorra o crime de "corrupção ativa". Está lá, no Código Penal, encimando o capítulo II, onde se insere o art. 333: "dos crimes praticados pelos PARTICULARES contra a administração em geral". Trata-se de crime que, por sua própria natureza, não pode ser cometido por agente público, a não ser que em busca de uma vantagem pessoal, de natureza particular; jamais em nome da própria administração!

Em segundo, em relação ao crime de formação de quadrilha, ainda que se aplique a teoria do "domínio do fato", exige-se, para tanto, prova de atos que o acusado tivesse praticado, nessa condição. E não sou eu que estou dizendo: é o próprio jurista alemão Claus Roxin, que desenvolveu essa teoria.

Por derradeiro, a absoluta ausência de lógica na ideia sacramentada pelo Supremo de que um partido político - que, como todo partido político, tem por vocação necessária exercer o poder - tivesse um plano de se perpetuar no comando do governo comprando "a consciência" de meia dúzia de deputados (e não de senadores) para aprovar medidas impopulares, como, por exemplo, a reforma da Previdência! Uma reforma que, num primeiro olhar, "prejudicou" uma legião de brasileiros que se encontravam na iminência de se aposentar e que tiveram que aguardar por mais tempo. Ou por uma reforma tributária que até hoje não ocorreu!

É inacreditável a poltronice da imensa maioria dos membros do Supremo Tribunal Federal, que seguem as diatribes do relator sem se dar conta da gravidade do mal que estão praticando. Estão gerando em todo o país uma incontrolável insegurança jurídica, eis que doravante ninguém mais será levado a sério quando invocar princípios que à custa de muita luta foram consagrados na Constituição brasileira, como o da presunção de inocência, que exige prova cabal para se condenar alguém pelo crime de que é acusado.

Eu não tenho a menor dúvida de que esse é um julgamento de exceção e que não tardará a ser revisto, quando a volúpia da imprensa conservadora for mitigada pelo tempo, seja em breve, no julgamento dos embargos declaratórios (que, em certos casos, podem alterar o resultado, adquirindo caráter infringente), ou mais adiante, nos próprios embargos infringentes, ou ainda numa futura ação revisional, tão logo ocorra o trânsito em julgado.

A despeito dessa confiança, reitero minha exortação para que os grandes nomes da advocacia nacional não se calem, mas que não apenas falem; que emprestem seu peso para reverter, num portentoso processo conjunto de "habeas corpus" em favor dos réus, por exemplo, essa decisão que faz ruir os alicerces que haveriam de sustentar a segurança jurídica de todos nós brasileiros.

Força, comandante! Você sempre foi valente e sempre esteve ao lado da justiça e dos valores que erigiram o nosso estado democrático de direito. Mais que minha solidariedade, aceite, modestamente, o meu empenho.

Grande abraço!