quinta-feira, 28 de dezembro de 2006

Boas surpresas em 2006

2006 foi o ano da estréia deste blog, que nasceu despretensioso, mas que já soma razões para estufar o peito de orgulho e alegria. Digo pela qualidade dos seus leitores. Surpreendo-me a cada instante, a cada mensagem que recebo elogiando (ou mesmo criticando) este espaço.

De todas as surpresas, a mais agradável veio da Bahia. Publiquei o texto “sentença para ser lida e entendida por um marceneiro”, que recebi pela Internet com ares de apócrifo. Como ressaltei na oportunidade, a rede mundial de computadores tem muito disso: nunca se sabe ao certo se a autoria informada é realmente verdadeira. E, por vezes, não há indicação alguma.

A surpresa consistiu no recebimento de um comentário de Ilana Campos, que publiquei no mesmo instante em que o recebi, em 18 de dezembro, e que faço questão de reproduzir neste momento:

Caro Albiero, a sentença em apreço é verdadeira e, não só por ela mas pelo conjunto da obra em defesa da cidadania, o magistrado Gerivaldo Alves Neiva, ao lado do advogado Arnaldo Freitas Pio, também merecedor de nossas honras pela defesa dos direitos humanos, receberá singela homenagem às 10hs do dia 20.12.06, no auditório do Fórum da Comarca de Conceição do Coité, onde ambos atuam. Você também é nosso convidado.

Ilana Campos - Membro da Comissão de Direito e Prerrogativas da OAB-BA


Taí. Que em 2007 eu e vós, amados leitores, possamos ter surpresas tão boas quanto as do ano que se finda.

Feliz Ano Novo a todos. Vou às carnes, champanhas e panetones. Volto em janeiro. Ide vós também, e voltai igualmente.

Nem ver o Nei, nem o Veronei

O caldeirão político entrou em ebulição nas minhas duas cidades do coração. Em ambas, os respectivos casos acabaram indo parar na Delegacia de Polícia.

Em Capivari, o vereador Nei Turmeiro (PL) foi acusado pelo colega Tambu Bombonatti (PDT) de ter tentado comprar seu voto para a presidência da Câmara. O fato foi divulgado pela televisão regional, com exibição de fita gravada que comprovaria a denúncia. Na hora “H”, os quatro vereadores de oposição, sem chance de ver o Nei presidente, nem de emplacar qualquer candidato do grupo, resolveram votar na vereadora Isabelzinha (PDT). Sendo nove os componentes da Câmara, bastava o voto dela própria para conquistar o cargo de presidente (5 a 4). Para surpresa geral, ela votou em Gilmar Forner (PMDB), que volta a dirigir a Casa pela terceira vez.

Em Rafard, denúncia semelhante envolveu o vereador Danilo Veronei, do grupo da situação. Além de ser eleito pelos vereadores de oposição, ele seria agraciado com um robusto cheque. Como na vizinha Capivari, bastava seu próprio voto para que a estratégia dos oposicionistas desse certo. Porém, ele também surpreendeu e votou no tio, Uil Maia, que já houvera dirigido a Câmara rafardense.

Política em cidade pequena é assim... Quero dizer, não difere muito dos grandes centros.

Capivari: entre a senzala e a modernidade

O blog do filósofo e professor Roberto Romano (Unicamp) trouxe uma postagem, no dia 14 de dezembro deste ano, em que Geraldo Hoffmann (da DW World) faz um relato sobre a exploração da mão-de-obra nos canaviais de minha cidade, Capivari.

Roberto Romano
Roberto Romano

Com o interessante título "Tecnologia de ponta convive com 'senzala' nos canaviais", Hoffmann revela o contraste que marca o novo ciclo da cana vivenciado pelo Brasil, em que uma tecnologia de ponta convive com arcaicas e desumanas condições de trabalho. Entre outros dados, ele informa que no ano passado doze cortadores de cana morreram no Estado de São Paulo – supostamente por cansaço.

Em 2006, o Ministério Público do Trabalho (MPT) da 15ª Região e o Ministério Público do Estado (MTE) de São Paulo fiscalizaram 140 empresas no interior paulista e registraram mais de 600 autos de infração em lavouras de cana-de-açúcar. "Todas as empresas fiscalizadas apresentaram irregularidades", informaram as autoridades. As infrações mais freqüentes foram a falta de equipamentos de proteção individual, excesso de jornada, não fornecimento de água fresca e potável, falta de sanitários e abrigo para refeições, ausência de exame médico admissional; ausência de pausa para refeições e descanso intrajornada; transporte irregular; e alojamentos precários.

Cortador de cana em Capivari
Corte manual de cana: só onde as máquinas não chegam

Só não entendo por que o autor afirmou que a usina por ele visitada "pode ser uma exceção" a essa realidade. Quem, como eu, advoga ou advogou em favor de cortadores de cana de Capivari e região sabe exatamente do que se trata. Como vereador, em 2001 fiz uma representação ao Ministério Público do Trabalho tratando do assunto, apontando para a prática de crimes como a de promover trabalho análogo à condição de escravo (art. 149 do Código Penal) e aliciamento de trabalhadores (art. 207).

Digo-vos, amados leitores, que não precisais ser juristas para entender o que diz a lei a respeito. Vede adiante o teor do art. 149 do Código Penal:



Redução a condição análoga à de escravo

Art. 149 - Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:

Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

Parágrafo primeiro - Nas mesmas penas incorre quem:

I - cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;

II - mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.

Parágrafo segundo - A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:

I - contra criança ou adolescente;

II - por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.


Agora vede o teor do art. 207 do Código Penal:




Aliciamento de trabalhadores de um local para outro do território nacional

Art. 207 - Aliciar trabalhadores, com o fim de levá-los de uma para outra localidade do território nacional:

Pena - detenção de (1) um a (3) três anos, e multa.

Parágrafo primeiro - Incorre na mesma pena quem recrutar trabalhadores fora da localidade de execução do trabalho, dentro do território nacional, mediante fraude ou cobrança de qualquer quantia do trabalhador, ou, ainda, não assegurar condições do seu retorno ao local de origem.

Parágrafo segundo - A pena é aumentada de um sexto a um terço se a vítima é menor de dezoito anos, idosa, gestante, indígena ou portadora de deficiência física ou mental.

Guerra civil à brasileira

Vai-se o ano de 2006, marcado sobretudo pelo terrível movimento comandado pelo PCC em São Paulo no mês de maio, mas a guerra civil à brasileira segue nos velhos moldes, com ares de que não há espírito natalino que possa inspirar paz no ano novo.

Bispo é ameaçado de morte no Pará

No Pará, dois anos depois do assassinato da irmã Dorothy Stang, ocorrida a mando de seringueiros, agora é a vez do bispo D. Erwin Krautler, de Altamira (PA) tornar público que está sofrendo ameaças.

O portal Terra traz entrevista com o religioso, que conta que está sendo ameaçado por empresários, políticos e comerciantes da região incomodados com seu trabalho no Norte do País.

Segundo D. Erwin, três seriam as razões das ameaças contra si. "Primeiro, eu não me satisfiz com o inquérito em torno do assassinato da irmã Dorothy. Sempre insisti em uma apuração mais abrangente, que importunaria políticos importantes da região", disse ele ao Jornal do Terra. "Também sou contra a instalação de uma hidrelétrica na cidade, porque as populações ribeirinhas não estão sendo respeitadas. Mas o empresário responsável é intocável e qualquer um que questione a construção é taxado de inimigo do progresso. O discurso dos políticos é de que a hidrelétrica é a salvação da região, mas ela só beneficia uma oligarquia poderosa que visa a lucros imediatos", ressaltou.

A terceira razão, que segundo D. Erwin teria sido o estopim da tensa relação com os empresários e políticos da região, foram as denúncias de abusos sexuais contra menores de idade, envolvendo pessoas da alta sociedade de Altamira. "Muita gente importante está sendo presa", disse.

No Rio, Vermelho x Azul

No Rio de Janeiro, a guerra civil ganha contornos ainda mais trágicos, numa repetição do que ocorreu em São Paulo, em maio deste ano. Desta vez, segundo informa o portal Terra, a autoria dos atentados está sendo reivindicada pelo Comando Vermelho (CV), que teria espalhado cartazes afirmando que a ofensiva é uma resposta da facção criminosa ao Comando Azul - conjunto de milícias formadas por policiais que já dominariam cerca de 80 favelas da cidade.

domingo, 17 de dezembro de 2006

Datafolha constata: Lula é o melhor presidente que o Brasil já teve

O Yahoo! Notícias de hoje, domingo, 17 de dezembro, divulgou agora há pouco, às 10h06 a seguinte informação, que me parece a constatação do óbvio:

Lula é o melhor presidente que o Brasil já teve, diz Datafolha

SÃO PAULO (Reuters) - Luiz Inácio Lula da Silva, que se aproxima do início de seu segundo mandato, é o presidente mais bem avaliado pelos brasileiros, apontou pesquisa Datafolha divulgada neste domingo.

Segundo 35 por cento dos entrevistados pelo instituto, ele é o melhor presidente que o Brasil já teve, seguido por Fernando Henrique Cardoso (12 por cento), Juscelino Kubitscheck (11 por cento), Getúlio Vargas (8 por cento) e José Sarney (5 por cento).

Além disso, o governo Lula é considerado "ótimo ou bom" por 52 por cento dos entrevistados, maior número entre quatro presidentes avaliados desde a redemocratização, de acordo com o Datafolha. Para 34 por cento dos entrevistados, o governo é "regular" e para apenas 14 por cento, "ruim ou péssimo".

O pior desempenho de Lula é na área da saúde, que foi apontada por 18 por cento dos entrevistados de forma espontânea. Por outro lado, o melhor desempenho foi no combate à fome, com 17 por cento.

A pesquisa Datafolha foi feita no dia 13 de dezembro em 111 municípios de 23 Estados e do Distrito Federal. Foram ouvidas 2.178 pessoas e a margem de erro da sondagem é de dois pontos percentuais.



sábado, 16 de dezembro de 2006

Sentença para ser lida e entendida por um marceneiro

Esta eu recebi pela Internet. Quem me mandou foi minha amiga Joelma, advogada em Sorocaba, das mais competentes. Essas coisas que rolam pela Internet nunca se sabe se são de boa procedência. Há muito texto apócrifo, por falta de assinatura ou por falsa indicação de autoria.

Este texto, porém, se não for "verdadeiro", ao menos vale como bela peça literária, uma crônica, digamos assim, forense. Como ficção, que inspire os magistrados. Se verdadeira, que sirva de exemplo. Kelsen certamente estará dando reviravoltas na sepultura, enquanto que seus seguidores, os puristas do Direito, decerto desaprovarão a sentença.

Vamos a ela. Boa leitura!


Processo Número: 0737/05

Quem pede: José de Gregório Pinto
Contra quem: Lojas Insinuante Ltda, Siemens Indústria Eletrônica S.A e Starcell

Ementa:UTILIZAÇÃO ADEQUADA DE APARELHO CELULAR. DEFEITO.
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO FABRICANTE E DO
FORNECEDOR.

Sentença:

Vou direto ao assunto. O marceneiro José de Gregório Pinto, certamente pensando em facilitar o contato com sua clientela, rendeu-se à propaganda da Loja Insinuante de Coité e comprou um telefone celular, em 19 de abril de 2005, por suados cento e setenta e quatro reais. Leigo no assunto, é certo que não fez opção por fabricante. Escolheu pelo mais barato ou, quem sabe até, pelo mais bonitinho: o tal Siemens A52. Uma beleza! Com certeza foi difícil domar os dedos grossos e calejados de marceneiro com a sensibilidade e recursos do seu Siemens A52, mas o certo é que utilizou o aparelhinho até o mês de junho do corrente ano e, possivelmente, contratou muitos serviços. Uma maravilha! Para sua surpresa, diferente das boas ferramentas que utiliza em seu ofício, em 21 de junho, o aparelho deixou de funcionar.

Que tristeza: seu novo instrumento de trabalho só durou dois meses. E olha que foi adquirido legalmente nas Lojas Insinuante e fabricado pela poderosa Siemens..... Não é coisa de segunda-mão, não! Consertado, dias depois não prestou mais... Não se faz mais conserto como antigamente!

Primeiro tentou fazer um acordo, mas não quiseram os contrários, pedindo que o caso fosse ao Juiz de Direito. Caixinha de papelão na mão, indicando que se tratava de um telefone celular, entrou seu Gregório na sala de audiência e apresentou o aparelho ao Juiz: novinho, novinho e não funciona.

De fato, o Juiz observou o aparelho e viu que não tinha um arranhão. Seu José Gregório, marceneiro que é, fabrica e conserta de tudo que é móvel. A Starcell, assistência técnica especializada e indicada pela Insinuante, para surpresa sua, respondeu que o caso não era com ela e que se tratava de "placa oxidada na região do teclado, próximo ao conector de carga e microprocessador".

Seu Gregório: o que é isto? Quem garante? O próprio que diz o defeito, diz que não tem conserto....

Para aumentar sua angústia, a Siemens disse que seu caso não tinha solução neste Juizado por motivo da "incompetência material absoluta do Juizado Especial Cível - Necessidade de prova técnica."

Seu Gregório: o que é isto? Ou o telefone funciona ou não funciona! Basta apertar o botão de ligar. Não acendeu, não funciona. Prá que prova técnica melhor?

Disse mais a Siemens: "o vício causado por oxidação decorre do mau uso do produto".

Seu Gregório: ora, o telefone é novinho e foi usado apenas para falar. Para outros usos, tenho outras ferramentas. Como pode um telefone comprado na Insinuante apresentar defeito sem solução depois de dois meses de uso? Certamente não foi usado material de primeira. Um artesão sabe bem disso.

O que também não pode entender um marceneiro é como pode a Siemens contratar um escritório de advocacia de São Paulo, por pouco dinheiro não foi, para dizer ao Juiz do Juizado de Coité, no interior da Bahia, que não vai pagar um telefone que custou cento e setenta e quatro reais? É, quem pode, pode! O advogado gastou dez folhas de papel de boa qualidade para que o Juiz dissesse que o caso não era do Juizado ou que a culpa não era de seu cliente! Botando tudo na conta, com certeza gastou muito mais que cento e setenta e quatro para dizer que não pagava cento e setenta e quatro reais! Que absurdo!

A loja Insinuante, uma das maiores e mais famosas da Bahia, também apresentou escrito de advogado, gastando sete folhas de papel, dizendo que o caso não era com ela por motivo de "legitimatio ad causam", também por motivo do "vício redibitório e da ultrapassagem do lapso temporal de 30 dias" e que o pobre do seu Gregório não fez prova e então "allegatio et non probatio quasi non allegatio".

E agora, seu Gregório?

Doutor Juiz, disse Seu Gregório, a minha prova é o telefone que passo às suas mãos! Comprei, paguei, usei poucos dias, está novinho e não funciona mais! Pode ligar o aparelho que não acende nada! Aliás, Doutor, não quero mais saber de telefone celular, quero apenas meu dinheiro de volta e pronto!

Diz a Lei que no Juizado não precisa advogado para causas como esta. Não entende seu Gregório porque tanta confusão e tanto palavreado difícil por causa de um celular de cento e setenta e quatro reais, se às vezes a própria Insinuante faz propaganda do tipo: "leve dois e pague um!" Não se importou muito seu Gregório com a situação: um marceneiro não dá valor ao que não entende! Se não teve solução na amizade, Justiça é para isso mesmo! Está certo Seu Gregório: O Juizado Especial Cível serve exatamente para resolver problemas como o seu.

Não é o caso de prova técnica: o telefone foi apresentado ainda na caixa, sem um pequeno arranhão e não funciona. Isto é o bastante! Também não pode dizer que Seu Gregório não tomou a providência correta, pois procurou a loja e encaminhou o telefone à assistência técnica. Alegou e provou! Além de tudo, não fizeram prova de que o telefone funciona ou de que Seu Gregório tivesse usado o aparelho como ferramenta de sua marcenaria. Se é feito para falar, tem que falar!

Pois é Seu Gregório, o senhor tem razão e a Justiça vai mandar, como de fato está mandando, a Loja Insinuante lhe devolver o dinheiro com juros legais e correção monetária, pois não cumpriu com sua obrigação de bom vendedor. Também, Seu Gregório, para que o Senhor não se desanime com as facilidades dos tempos modernos, continue falando com seus clientes e porque sofreu tantos dissabores com seu celular, a Justiça vai mandar, como de fato está mandando, que a fábrica Siemens lhe entregue, no prazo de 10 dias, outro aparelho igualzinho ao seu. Novo e funcionando! Se não cumprirem com a ordem do Juiz, vão pagar uma multa de cem reais por dia!

Por fim, Seu Gregório, a Justiça vai dizer à assistência técnica, como de fato está dizendo, que seu papel é consertar com competência os aparelhos que apresentarem defeito e que, por enquanto, não lhe deve nada. À Justiça ninguém vai pagar nada. Sua obrigação é fazer Justiça! A Secretaria vai mandar uma cópia para todos. Como não temos Jornal próprio para publicar, mande pelo correio ou por Oficial de Justiça. Se alguém não ficou satisfeito e quiser recorrer, fique ciente que agora a Justiça vai cobrar. Depois de tudo cumprido, pode a Secretaria guardar bem guardado o processo!

Por último, Seu Gregório, os Doutores advogados vão dizer que o Juiz decidiu "extra petita", quer dizer, mais do que o Senhor pediu e também que a decisão não preenche os requisitos legais. Não se incomode. Na verdade, para ser mais justa, deveria também condenar na indenização pelo dano moral, quer dizer, a vergonha que o senhor sentiu, e no lucro cessante, quer dizer, pagar o que o Senhor deixou de ganhar.

No mais, é uma sentença para ser lida e entendida por um marceneiro.

Conceição do Coité, 21 de setembro de 2005

Gerivaldo Alves Neiva

Juiz de Direito

quarta-feira, 13 de dezembro de 2006

Rima fácil

Fugir da rima fácil
Eis aí minha obsessão freqüente.
Nem sempre posso.

Deflorando a flor do lácio,
Ainda tento rimar "nonsense"
Com qualquer troço.


Caríssimas e caríssimos leitores,

Estou inaugurando uma seção dedicada a literatura, como houvera prometido. Para acessá-la, basta localizar no menu à direita a opção "Literatices" e clicar na linha respectiva. Por ora, há apenas algumas poesias de minha autoria. Estou coletando crônicas, contos e outros textos de caráter literário. Contribuições serão bem vindas.

Recomendo também que sejam acessados os demais endereços sugeridos. São amigos ou conhecidos, especialmente da minha Capivari, que oferecem textos e imagens de boa qualidade.

terça-feira, 28 de novembro de 2006

Sobre o feriado em comemoração ao “Dia da Consciência Negra”

O professor Adílson de Abreu Dallari surpreendeu ao insurgir-se, se assim posso expressar-me, contra o feriado de 20 de novembro, que em muitos municípios brasileiros tornou-se objeto de lei que como tal o declara, rotulando-o na maioria das vezes de “Dia da Consciência Negra”. A surpresa deveu-se, sobretudo, por ter o eminente jurista lançado mão do argumento de que lei federal restringiria a competência dos municípios ao decreto de no máximo quatro feriados, devendo todos ser de cunho religioso.

De fato, a lei 9.093, de 12 de setembro de 1995, estabelece em seu §1º que são “feriados civis” os declarados em lei federal (inc. I), a data magna do Estado fixada em lei estadual (inc. II) e os dias do início e do término do ano do centenário de fundação do Município, fixados em lei municipal (inc. III). No art. 2º, referida lei federal estabelece que “são feriados religiosos os dias de guarda, declarados em lei municipal, de acordo com a tradição local e em número não superior a quatro, neste incluída a Sexta-Feira da Paixão” (art. 2º).

Em primeiro lugar, há que se examinar a competência municipal para legislar sobre feriados, já não à luz de norma infraconstitucional, mas da própria Constituição Federal. E, no caso, o que se tem é que esta confere ao município competência para legislar sobre “interesse local”. A doutrina entende que é competente a comuna para legislar sobre determinado assunto quando o interesse dele objeto é “predominantemente” local. É certo que declaração de feriado a que se rotula de “Dia da Consciência Negra”, que tem por escopo homenagear os afrodescendentes e os que lutaram contra a escravidão e lutam contra o preconceito, em especial Zumbi dos Palmares – que é personagem heróico da História brasileira –, não constitui interesse apenas local, nem eminentemente, muito menos em caráter de predominância. Por esse prisma, portanto, haveria claro óbice a que lei municipal declarasse o feriado em comento.

O que se há de destacar, porém, é que o dia 20 de novembro, que a tradição recente consagrou à celebração da Consciência Negra, tem em si embutido um nítido caráter religioso, admitindo-se, como me parece óbvio, que a religiosidade é parte integrante do que se pode tomar por “consciência” de qualquer povo ou pessoa. Decerto ninguém ousará negar reconhecimento à importância das religiões africanas para a formação da cultura e da, digamos, consciência brasileira. Assim, admitida como constitucional a lei 9093/95, com ela estão em perfeita harmonia as leis municipais que, pelo viés da religiosidade, declaram feriado o “Dia da Consciência Negra”.

A argumentação de que está o município a legislar sobre Direito do Trabalho, que é de competência exclusiva da União, não se sustenta. Uma coisa é legislar sobre relações entre patrões e empregados, criando obrigações de uns para com os outros, o que é vedado a Estados e Municípios; outra bem diferente é legislar em caráter suplementar, preenchendo lacunas deixadas pela legislação federal. Quando a CLT, em seu art. 70, veda o trabalho em “dias feriados nacionais e feriados religiosos”, está criando norma em branco, que obriga o aplicador da lei a buscar na fonte apropriada o suplemento que lhe falta. Assim, cabe-lhe buscar os feriados ditos “nacionais” na legislação federal respectiva, bem como os “religiosos” na legislação que lhe é pertinente, seja federal, estadual ou municipal. Ora, nestes dois últimos casos, estado e município não estão legislando sobre Direito do Trabalho, mas apenas estabelecendo a fonte de onde a legislação trabalhista sorverá seu suplemento.

Anoto, por oportuno, que se deva perscrutar acerca da constitucionalidade da lei 9093/95, que em sua essência parece pretender validar que interesses religiosos se imiscuam na disciplina normativa brasileira, o que em princípio sugere violação à regra da separação entre Estado e Igreja. Sendo laico o Estado brasileiro, não se pode tolerar amarras legislativas a esta ou aquela instituição ou denominação religiosa. Tomada dita lei por inconstitucional, porém, restaria um perigoso vazio legislativo, pois, de um lado, estaria retirada a sustentação que hoje confere validade a inúmeras leis municipais que declaram feriados religiosos, e, de outro, lei local que eventualmente declarasse feriado civil tornar-se-ia inócua, à míngua de legislação trabalhista correspondente que lhe reconhecesse valor, como visto.

Acaso reconhecida e declarada a latente inconstitucionalidade da lei 9093/95, estariam revogados todos os feriados religiosos hoje estabelecidos não apenas por leis municipais (o dos Santos Reis Magos, de 6 de janeiro; o de Cinzas, em data móvel de fevereiro ou março; os de Páscoa e Ascensão, em datas móveis entre março e abril, o primeiro, e entre maio e junho, o segundo; dos santos juninos, dias 13, 24 e 29 de junho; da Natividade e Assunção de Nossa Senhora, de 15 de agosto e 8 de setembro; de Todos os Santos, de 1º de novembro; da Imaculada Conceição, de 8 de dezembro) como também por normas federais (os da Padroeira do Brasil, de 12 de outubro; de Finados, de 2 de novembro; e de Natal, de 25 de dezembro), porque inconstitucionais seriam igualmente todas as leis federais que declaram feriados de cunho religioso.

Para evitar embaraços, portanto, tomemos por constitucional a lei 9093/95, assim como as demais que estabelecem feriados religiosos em âmbito nacional.

Amarrando, enfim, todos os argumentos até aqui vistos, entendo perfeitamente válidas as leis municipais que declaram feriado o dia 20 de novembro, seja por seu caráter também religioso, seja pela tradição que a pouco e pouco veio sendo construída, a princípio limitada à comunidade dos próprios afrodescendentes, hoje já tendo alcançado o respeito de significativa parcela do conjunto da sociedade brasileira. Tudo, enfim, em plena conformidade com a regra estatuída pela mencionada lei 9093/95.

Nunca é demais rememorar que os brasileiros são devedores do tributo que se quer prestar aos irmãos de origem africana, pela via do feriado municipal, por tudo o que representaram e representam para nossa História, seja para nossa cultura, seja também para nossa economia. Não é admissível, portanto, que por razões de ordem econômica, ou, pior, por opção religiosa diferenciada, a sociedade brasileira venha a negar essa singela homenagem aos afrodescendentes que dela são parte integrante.

terça-feira, 14 de novembro de 2006

Coletânea de textos

Seguem, abaixo, dois textos que escrevi antes do período eleitoral. O primeiro foi amplamente divulgado. O segundo ficou restrito a uma lista da qual participo. Publico-os agora para que fiquem registrados no meu blogue.


Obs.: o texto abaixo foi escrito em 21 de abril de 2006

Com orgulho e com muita honra

Eu dancei a dança da justiça quando vi o resultado que absolveu e livrou da cassação o deputado José Mentor. E pensar que faltaram míseros dezesseis votos para que uma enorme injustiça fosse praticada pela Câmara Federal, maior até do que a que decretou a perda do mandato de José Dirceu. Inspirado nos passos corajosos da companheira Ângela Guadagnin, festejei com o que chamei de “dança da justiça e da verdade”.

Se contra Dirceu não se provou absolutamente nada, Mentor havia provado com documentos a origem lícita dos valores que recebeu a título de honorários, não das “empresas de Marcos Valério”, como tem sido noticiado, mas de um cliente de seu escritório de advocacia que é sócio do empresário mineiro. Diferentemente dos demais casos dos parlamentares, que receberam dinheiro para custear despesas de campanha eleitoral sem contabilizar, Mentor emitiu recibo e notas fiscais e recolheu os tributos incidentes sobre os honorários. Ora, “caixa dois” não se declara!

O episódio da tal “dança da pizza”, forma desrespeitosa como adversários e mídia trataram a maneira com que a deputada Ângela Guadagnin expressou sua alegria num raro momento em que a Câmara houvera feito justiça, talvez tenha sido o símbolo maior da letargia que tomou conta dos petistas em geral. Sim, pois ao invés de reagirmos com altivez e indignação, a maioria de nós optou pela indiferença. Isso me fez lembrar outros episódios, quando companheiros nossos de proa, deputados federais, senadores e até ministros, em programas de televisão como o do Jô Soares, no afã de salvar a própria pele e fugir ao debate, engoliram a isca e deixaram prevalecer a premissa, falsa, de que houve corrupção no nosso governo envolvendo companheiros do partido. Não houve, e é preciso dizê-lo de forma corajosa, sem medo de nadar contra a corrente, sem receio de ferir uma “verdade” estabelecida pela sistemática repetição da mentira que nela se encerra.

Não temos nada do que nos envergonhar. Ao contrário, temos motivos de sobra para nos orgulhar da nossa trajetória, da nossa inegável contribuição para o progresso democrático, social e econômico do Brasil.

Mostramos, desde o nascedouro nos anos 80, que é possível construir um partido de trabalhadores, no qual se pratica a verdadeira democracia, em que as decisões são tomadas de baixo para cima. Um partido sem caciques, embora com líderes que conquistaram reconhecimento e respeito justamente por seu caráter, por sua honestidade, sua coragem e sua ética.

Devemos nos orgulhar de termos criado e desenvolvido a gestão democrática e transparente da coisa pública, por meio do orçamento participativo, modelo que tem sido copiado em diversos países, inclusive os ditos desenvolvidos. Temos que nos orgulhar da importância da nossa luta pela redemocratização deste país e pela consolidação das nossas instituições, que hoje funcionam sem qualquer risco. Devemos comemorar até o fato de o procurador geral da República ter denunciado nossos próprios companheiros, ainda que baseado em indícios forjados por testemunhos suspeitos, porque essa é a prova cabal de que o Ministério Público tem tido total liberdade para agir, ao contrário do que ocorria durante o governo anterior, quando o ocupante desse mesmo cargo, talvez por ser “brindeiro”, costumava “brindar” os governantes da época com sucessivos engavetamentos de graves denúncias.

Temos que nos orgulhar de nossos governos municipais e estaduais, que proporcionaram melhoria da qualidade de vida às respectivas populações, e de nossos parlamentares, que sempre ensinaram como fazer oposição de verdade, honesta, com absoluta independência, e agora demonstram como defender um projeto de governo democrático e popular sem precisar de “mensalões” ou outro fator motivador que não seja a própria consciência.

E hoje, sobretudo, podemos nos orgulhar de ter um governo federal que vem somando conquistas em todas as áreas, reduzindo as desigualdades que há séculos marcam a população brasileira.

No âmbito social, ampliou o programa bolsa-família e promoveu a inclusão de milhões de famílias, fazendo com que o programa perdesse aos poucos seu caráter meramente assistencialista, como era no governo anterior, até se transformar num instrumento de cidadania, com repercussões na formação escolar, no atendimento à saúde e na segurança alimentar dos beneficiários.

Na educação, vimos o governo federal atuar na melhoria do ensino fundamental (tarefa a rigor reservada a municípios e estados), dar os primeiros passos para a democratização racial das universidades e promover o melhor aproveitamento das vagas nas faculdades particulares, destinando-as a jovens carentes por meio do Pró-Uni.

Na economia, por mais que os caolhos recusem-se a enxergar, reduzimos os juros a níveis jamais vistos na era tucana, fizemos cair o tal “risco-brasil”, elevamos nossa capacidade de atrair investimentos, ao mesmo tempo em que alavancamos as exportações, criando as condições necessárias para nos livrarmos do jugo do FMI. Hoje, podemos com orgulho dar o verdadeiro grito de “Independência!”, sem que a alternativa tenha sido a “morte” ou qualquer outra opção trágica; bastaram competência, seriedade e coragem. Pagamos a dívida externa sem vender (nem doar, como fizeram os tucanos) nossas empresas estatais. Ao contrário, a Petrobrás teve crescimento recorde e hoje podemos festejar a conquista da auto-suficiência do país em petróleo. E, de quebra, dominamos uma tecnologia de ponta no âmbito do Proálcool e investimos firmemente em outras modalidades de biocombustível.

Temos que nos orgulhar e comemorar os milhões de novos empregos gerados e o crescimento paulatino da renda do trabalhador, tudo isso sem o menor risco de retorno da inflação. E, com igual orgulho, vimos nosso governo pagar aos aposentados as dívidas deixadas pelo anterior e proporcionar-lhes ganhos significativos em sua renda.

Também nos causa extremo orgulho o respeito que o Brasil conquistou no plano exterior, sobretudo consolidando seu papel de líder na América Latina, sem recorrer a apelos nacionalistas como fazem alguns vizinhos. O mundo reconhece a estabilidade de nossas instituições e o sucesso da nossa economia.

E, por menos valor que as pessoas possam dar a isso, devemos nos orgulhar também do incansável combate que o governo federal empreendeu à corrupção e ao crime organizado. A Polícia Federal jamais trabalhou tanto quanto durante o governo Lula, seja no combate à sonegação fiscal, ao contrabando e ao tráfico de drogas, seja inclusive no desmantelamento de esquemas de corrupção encastelados na própria máquina federal desde tempos anteriores, como a “máfia dos vampiros” herdada da gestão de José Serra no Ministério da Saúde.

Por todos os ângulos que analisemos, encontraremos sempre fatores positivos que devem encher nosso peito de orgulho. Por isso, companheiras e companheiros, nada de desânimo! Falaram e continuarão falando mal de nós como quem calunia nossa família, e a nossa reação deve ser a da indignação. Nossa resposta tem que ser altiva, à altura da nossa história. É hora de tirarmos o pó da bandeira que deve estar dobrada em algum cantinho de alguma gaveta e empunhá-la com firmeza, meter a camiseta vermelha, pôr o velho broche com a estrelinha no peito e sair às ruas, dançando a “dança da justiça e da verdade” e entoando o grito de guerra “um, dois, três, Lula outra vez”! E, no carro, botar um adesivo: “Sou PT. Com muito orgulho e com muita honra!”.

Obs.: o texto abaixo foi escrito em 23 de abril de 2006, em resposta a crítica recebida em razão do texto anterior:

Meu caro W*,

Obrigado pelas referências feitas a mim, as elogiosas e também as críticas. Quanto às boas referências, a recíproca é mais do que verdadeira. Sou um admirador do seus textos, você é escritor de verdade.

No que concerne às críticas, recebo-as com carinho e humildade. A propósito, dizer que o PT, ou, pior, que todo petista é arrogante, creio seja de enorme injustiça. Permita-me dizê-lo. Na minha militância política, neste rincão esquecido do mundo que é Capivari, carreguei por muito tempo e ainda carrego, por parte de meus opositores, a pecha de "arrogante". Não gosto. De todas as acusações que me possam fazer, é a que mais me dói, porque eu sei o quanto é preciso a um político ter a humildade para ouvir o outro lado, ouvir as pessoas nas ruas, compartilhar os espaços de poder, coisas que fiz e continuo fazendo na minha militância.

Ocorre que defender pontos de vista com convicção passa, por vezes, a imagem de arrogância. E a acusação nesse sentido muitas vezes flui naturalmente, por falta de argumentos de quem a faz. Sei que não é o seu caso, sei que você tem estofo intelectual suficiente para debater em alto nível qualquer questão. Por isso, se do chão da minha humildade você me permite um conselho, evite chamar o interlocutor de arrogante.

No mais, permita-me igualmente enxergar a situação com os olhos que tenho, e que são os olhos de quem está dentro. Trocadilhos à parte, são os olhos de quem está no olho do furacão. Sim, não somente porque sou integrante de um partido que de uma hora para outra passou a sofrer ataques injustos, mas porque, como candidato a prefeito que fui em minha cidade (terminei com ridículos 4% dos votos...), sei o que é uma campanha política, sei quais são as regras do jogo e sei onde estão as verdades e as mentiras.

Eu não sugeri, em meu texto, que "só o PT pode fazer" isto ou aquilo. Esse viés arrogante enxergado por você, caro W*, não é fruto da minha intenção. O PT não fez sozinho a auto-suficiência do Brasil em petróleo, é claro. Começou lá com Monteiro Lobato, é evidente. Mas as condições ideais para que isso tudo acontecesse deu-se no governo Lula. E o resultado está aí.
Não há "vestais do PT", nunca houve, nem há nele quem se acredite puro. A falta de argumentos é que fez e continua fazendo adversários dizerem isso do PT. Não se negue ao PT, porém, o fato histórico de que foi o PT que introduziu a discussão sobre ética na política. Todavia, o partido não detém o monopólio da ética, naturalmente. Infelizmente, a disputa eleitoral, a guerra que se trava pelo poder, não se pauta pela ética. A começar pelo financiamento de campanhas. Os adversários de Lula e do PT demonstraram, da forma mais cabal possível, que não têm ética para fazer oposição. A cassação de José Dirceu foi o exemplo mais gritante disso. Cassaram-no por quê? "Porque chefiou uma quadrilha de corrupção", dirão os apressados levados pela propaganda da mídia patrocinada pela elite conservadora. Mas qual centavo ele extraiu de qual cofre público, para qual destino? De qual centavo ele se apropriou e se enriqueceu? Qual o contrato irregular que tenha favorecido esta ou aquela pessoa, extraído de cofres públicos? Não há, caro W*, e é preciso encarar os fatos. Você disse de parlamentares que teriam "confessado" isso ou aquilo. O único confesso de que me lembro foi o sr. Roberto Jéferson, que manteve no início do governo Lula o esquema de corrupção que ele houvera montado em governos anteriores, FHC inclusive. Descoberto, jogou lama no ventilador, atirou para todo lado. Foi cassado por isso e por ter mentido a respeito do tal "mensalão". No caso dele, foi feita justiça, evidentemente.

E José Dirceu? Foi cassado sem provas, sem respaldo fático. Fizeram investigações 24 horas por dia, com câmeras aqui e acolá, gravações telefônicas e todos os recursos possíveis, e não se levantou absolutamente nada de concreto contra ele, nem contra Gushiken, nem contra qualquer membro do PT que integre o governo federal. Valeram os discursos, a gritaria da oposição, a mídia embalando tudo.

Dos que receberam dinheiro para financiar campanhas políticas, em nenhum caso se levantou que o dinheiro teria saído dos cofres públicos. Amigo, digo de cátedra. Empresário não gosta de aparecer em campanha. Contribui, mas não quer aparecer. Fiz uma campanha paupérrima a prefeito de minha cidade, que mal chegou a 20 mil reais (os demais candidatos gastaram cerca de 1 milhão, um deles; 150 mil, outro; e R$400 mil, o outro). Teve empresário que doou R$100,00, R$500,00 para a minha campanha (e dez vezes para os outros), mas disse que não queria recibo. Sem recibo, não pude contabilizar.

Fiz dívidas. Imagine agora um país inteiro ligando para o tal Delúbio, "cara, preciso de grana para pagar contas de campanha, você é o tesoureiro nacional, tire a bunda da cadeira e se vira, meu!". Eu não liguei, porque mal tinha ouvido falar em Delúbio. Falava com o Toninho, tesoureiro do diretório estadual, que foi inflexível. "Não temos dinheiro", e ponto.

Falando por mim, eu estou economicamente falido, pus minha casa à venda, meu nome está no Serasa e tudo mais. Agora, pense. Você, ciente da minha situação, propõe-se a me ajudar. "Albiero, vai aí uma contribuição de 100,00". Ok, aceito. Sabe o que aconteceu? Acabamos de praticar o tal "caixa 2". Porque a esta altura já não dá para contabilizar mais nada, o prazo é de 30 dias após as eleições. Foi isso o que aconteceu com os deputados que receberam dinheiro do tal "valerioduto", que muito provavelmente canalizava dinheiro de empresas privadas que, para não aparecer, faziam a filtragem por intermédio de uma empresa de propaganda, a do Marcos Valério. Milagre não se faz. É preciso dinheiro para fazer campanha (tanto que já anunciei minha desistência. Continuo militando etc., mas candidato, não sou mais).

Qual a alternativa a obter doações de campanha? Ou vamos em busca das tais, ou desistimos e mantemos a elite governando. Será que política não é mesmo para pobre? A lógica da elite conservadora é essa. "Pobre tem que trabalhar e produzir, governar é com a gente", pensa-se. Casa grande de um lado, senzala do outro.

Daí que sempre que Lula toca no assunto, ele diz que precisamos urgentemente instituir o financiamento público de campanha. Não vai resolver, não vai impedir sacanagem, mas vai garantir um mínimo para que um cara como eu possa fazer uma campanha minimamente visível. É o preço da democracia. Para eleger-se na minha cidade, por exemplo, o candidato a prefeito tem que comunicar-se com mais de 30 mil eleitores. Isso custa dinheiro. Papel, bâner de poste, programa de rádio (aqui não tem TV local), comícios, meninas bandeirando nas calçadas, peruas com som tocando musiquinha pelas ruas etc. Não só para comunicar as propostas, mas para mostrar força política. Minha campanha não teve nada disso, com exceção do rádio e de santinhos produzidos pelo próprio partido. Resultado: as pessoas diziam: "ah, esse é bom, mas não tem chance".

Você cita Ângela Guadagnin. Você certamente não a conhece. É uma das mais valorosas parlamentares que este país já produziu. Foi excelente prefeita em São José dos Campos. É séria, age com ética, tem um trabalho valioso. E, no entanto, porque teve a infeliz iniciativa de expressar sua alegria num raro momento em que uma decisão política da Câmara produziu justiça, passou a ser ela o bode expiatório, a bola da vez, o alvo da mídia. Injustiça! Espezinharam José Genoíno, espezinharam Lula.

Mas o povo é sábio. Está conseguindo separar o joio do trigo. Sei que valem mais os resultados positivos do governo do que o viés ideológico, a disputa que embala oposicionistas e governistas. Um revés qualquer do governo pode pôr tudo a perder, eu sei.

Tenho comigo, caro W*, a firme convicção de que lá nos anos oitenta, quando eu mal completara os vinte anos, eu fiz a opção correta. Ajudei, creio, a construir um partido em que cada menor filiado tem vez e tem voz. Dia 7 de maio estaremos todos votando nas prévias do partido, para escolher os candidatos a governador. E como foi a decisão no PSDB? Foi feita por um triunvirato. Você tem conhecimento da disputa fratricida que ainda está sendo travada entre Serra e Alckmin? Você acha que as denúncias em relação à Nossa Caixa são fruto da fiscalização que os parlamentares petistas permanentemente fazem em relação ao governo do Estado? Engano seu, meu caro. É Serra e seu grupo quem está alimentando todas as denúncias contra Alckmin. Serra tem espaço na Folha de São Paulo, enquanto o Estadão serve aos interesses de Alckmin.

O PT é democrático e preza a democracia. Às vezes, até se excede, mas é nesse partido que eu pretendo continuar militando e ajudando a crescer, a governar este país e a dar ainda maior contribuição para o seu progresso econômico e social. Como eu disse no texto, com muito orgulho e com muita honra. Respeitando, é claro, as conquistas obtidas por outros partidos e outros governos...

quinta-feira, 19 de outubro de 2006

O melhor garoto-propaganda de Lula

Os idealizadores da propaganda de Lula no horário eleitoral gratuito capricharam na elaboração dos programas e, sobretudo, na escolha dos apresentadores. Há um índio simpático, há moças bonitas, uma negra e uma branca, há um jovem e há um homem de meia idade, todos capazes de estabelecer empatia com o eleitor telespectador. O que ninguém poderia imaginar era que o melhor garoto-propaganda da campanha de Lula fosse aparecer no programa do adversário. Muito menos que ele próprio, Geraldo Alckmin, pudesse cumprir esse papel.

Nos instantes finais do primeiro tempo das eleições, chegou a parecer que o gramado estava escorregadio apenas para o time de Lula, que sofreu um gol contra supostamente feito por membros de seu partido. Mal começou o segundo tempo, porém, e se percebeu que do outro lado também se escorregava. O primeiro deslize foi do próprio Alckmin, naquela mal avaliada aliança com o ex-governador do Rio, Anthony Garotinho. Sem querer, o prefeito da capital fluminense César Maia e a candidata ao governo do Estado Denise Frossard deram um boa mãozinha a Lula.

Depois, veio o escorregão maior, outra vez do próprio Alckmin, no debate da TV Bandeirantes, em que ele expôs seu caráter arrogante, agressivo e deliberadamente desrespeitoso ao presidente da República.

Por fim, acuado pelas fortes e fundadas suspeitas de que acabaria com o programa bolsa-família, Alckmin viu-se forçado a vir a público e, de forma enfática, defender a manutenção do programa. Suas reiteradas aparições no vídeo funcionaram como um atestado eloqüente do sucesso do bolsa-família que, ao lado do Prouni, é a grande marca do governo Lula. E, no conjunto da obra, resta que a única proposta efetiva que Alckmin apresentou até agora foi a de "manter e ampliar" um programa de seu adversário.

A partir de agora, Alckmin deve-se preparar para cumprir o mesmo papel de garoto-propaganda em relação ao Prouni. A menos, é claro, que ele realmente queira acabar com o programa que permitiu a mais de 200 mil estudantes pobres o acesso á universidade.

É que em breve ele será chamado a dizer à sociedade brasileira se, acaso eleito, atenderá à pretensão de seu principal partido aliado, o PFL, de acabar com o Prouni, ou se essa questão marcará o primeiro conflito entre seu suposto governo e aliados, estabelecendo a primeira crise de governabilidade.

Tudo porque em 4 de outubro de 2004 o PFL, partido a que pertence o vice de Alckmin, senador José Jorge, entrou junto ao Supremo Tribunal Federal com uma ação direta de inconstitucionalidade em que pede a declaração de que é inconstitucional, na íntegra, a MP 213, que criou o Prouni, convertida em lei em 2005. Se o PFL obtiver sucesso, na prática significará o fim do programa. O processo, de n° ADI 3314, está nas mãos do relator Ministro Carlos Ayres de Brito. Na verdade, do ponto de vista estritamente jurídico, a ação tem mínimas chances de vingar, tanto que a Procuradoria Geral da República já deu parecer desfavorável à pretensão do PFL. No entanto, revela a verdadeira intenção do principal aliado de Alckmin e torna um risco real a extinção do Prouni.

Certamente Alckmin não confirmará a possibilidade de acabar com o programa. Ou seja, será divertido vê-lo, com a mesma ênfase com que fez em relação ao bolsa-família, bancar o garoto-propaganda do Prouni. Coisas da política.


Clique aqui para ler, no portal do STF, a íntegra da petição inicial da ação

terça-feira, 17 de outubro de 2006

Café com Veneno n° 002

Luz na escuridão

Começam a vir à tona os fatos até agora obscuros que envolveram a prisão dos compradores de dossiê e a divulgação da foto do dinheiro. O jornalista Raimundo Rodrigues Pereira, da revista
Carta Capital, lança um imenso facho de luz sobre essa história, até agora mal contada. Na mira dos holofotes está o delegado Edmílson Bruno, que certamente ainda tem muita história para contar. Vale a pena conferir.

Ouça o diálogo

O site
Conversa Afiada, de Paulo Henrique Amorim, reproduz o diálogo mantido entre o delegado Edmílson Bruno e jornalistas, no momento em que ele, violando segredo de justiça, faz a estes a entrega do CD contendo as fotos. Observe como ele “dirige” a edição da foto e da própria notícia, insistindo em que ela deveria ser divulgada no mesmo dia, e no Jornal Nacional. Ouça aqui.

E a cordilheira?

A campanha de Alckmin insiste em mostrar a foto da "montanha" de dinheiro que seria usada para comprar o dossiê. A de Lula poderia replicar essa mesma foto em centenas de vezes, formando uma cordilheira, e perguntar: "onde foi parar o dinheiro das privatizações?" E insistir, ao som de conhecido fundo musical: "onde está o dinheiro?" "Onde está o dinheiro?"

Alavancando

Cada vez que Alckmin surge no noticiário ou no seu próprio horário político dizendo que não vai acabar com o Bolsa-Família e que, ao contrário, pretende ampliar o programa, ele dá seu testemunho do sucesso da iniciativa do governo Lula. Com isso, dá folga para que o petista trate de outras conquistas de seu primeiro mandato, como o biodiesel e o H-bio.
Não por acaso, subiu para 20% dos votos válidos sua vantagem sobre o tucano, segundo pesquisa de intenção de votos do Datafolha encomendada pela Folha e divulgada hoje pelo Jornal Nacional. Confira.

Aborto

O jornal Folha de S. Paulo questionou os presidenciáveis sobre aborto e união civil entre pessoas do mesmo sexo. À primeira questão, Lula respondeu com firmeza: “Sou contra o aborto, minha mulher, Marisa, é contra o aborto, e tenho certeza de que a maioria das mulheres do mundo é contra o aborto”. Já Alckmin respondeu que é apenas contra a “legalização do aborto”.

União civil

Enquanto Lula se posicionou “radicalmente contra qualquer forma de discriminação, seja religiosa, racial ou sexual”, lembrando que seu governo trabalhou intensamente em políticas afirmativas de respeito à diversidade sexual, Alckmin de novo foi formal. Declarou-se favorável ao “contrato de união civil de homossexuais”, argumentando que “quando as pessoas vivem juntas, esse contrato é importante para garantir direitos do companheiro ou da companheira”. Clique aqui para conferir.



Esqueçam o que falei

Fernando Henrique Cardoso voltou à cena. Deu entrevista à rádio CBN pela manhã e, à tarde, negou que tivesse dito que não é contrário à privatização da Petrobras. "Foi apenas um cacoete de linguagem", explicou-se. É, pelo jeito, privatização já não é apenas uma linha política dos tucanos. Já é cacoete, mesmo.

segunda-feira, 16 de outubro de 2006

Café com Veneno

Pausa para o cafezinho

Nas repartições públicas, nos escritórios, nos bancos, nas empresas em geral, é na sala do café que se desvendam os segredos e que se resolvem os grandes problemas da humanidade. Foi para alcançar essa singela pretensão que criei este espaço.

Petista demais

Um dos meus mais freqüentes e cultos interlocutores reclamou, dia desses, de que este blogue está “petista demais”. Não vos enganeis, pois. Este blogue é petista mesmo! É para “contrabalançar” o antipetismo explícito da Globo, Folha, Veja... (Quanta pretensão!)

Moral da história

Miúdo que derruba gigante, só na Bíblia e no espaço aéreo brasileiro...

Apimentado demais

Depois do debate na Band, Lula sentiu leves incômodos gástricos. Suspeita-se que o chuchu do jantar daquela noite estivesse muito carregado de pimenta. Não vos preocupeis, porém. Sua Excelência já está melhor. Pronto para outro, como se costuma dizer na minha Capivari.

Por falar em Capiva

Não entendo como Alckmin pôde ter vencido nas cidades que integram a “RMC Principal” (não confundir com a "secundária", a de Campinas), ou seja, a “Região Megalopolitana de Capivari”. Há cerca de vinte anos que nós moradores da região lutamos pela duplicação das rodovias SP-101 e do Açúcar. Nesse período, durante longos doze anos a solução esteve ao alcance de Alckmin, que foi governador por seis e vice-governador por outros seis anos, e nada fez, absolutamente nada.

Sem falar que...

Isso sem contar a cadeia pública, que fica no centro de Capivari e já pôs em risco a segurança da população tantas vezes. O prédio, que pertence ao governo do Estado, está em ruínas. Sem contar também serviços públicos que foram desativados, como o posto fiscal da Receita Estadual, que agora está centralizado em Piracicaba, ou privatizados, como Telesp e CPFL, que já não mantêm escritório de representação na cidade. Sem dizer da municipalização do ensino, que prejudicou alunos e professores. Sem incluir a deterioração do programa Escola da Família. Sem esquecer que o governador Geraldo Alckmin fez promessa de ajudar os desabrigados pelo tornado de 2005, jamais cumprida.

Peroba nele!

Na maior cara de pau, Alckmin vem fazendo críticas às “estradas federais esburacadas”. Ele não conhece nem as que estiveram sob seu próprio governo, no interior do estado de São Paulo. Basta rodar pela Rodovia do Açúcar, trecho Salto/Piracicaba, ou pela SP-101, entre Capivari e Tietê, ou nas vicinais Capivari a Porto Feliz, Monte Mor a Indaiatuba, Capivari a Mombuca, tristes palcos em que faleceram centenas de amigos, parentes e conhecidos... Isso só para ficar na “minha aldeia”, como diria o poeta português Fernando Pessoa.

Surpresos

O deputado federal José Mentor (PT) me confidenciou, sábado último, em Americana, que a reeleição que mais surpreendeu a cúpula petista foi a dele próprio. “Ninguém acreditava”, desabafou-me ele, de alma lavada. Mentor teve mais de 105 mil votos.

Oculta e bela

Grande ausente das recentes disputas, Marta Suplicy foi a maior vitoriosa destas eleições. Candidatos que integram o grupo por ela liderado obtiveram expressivas votações, como os próprios irmãos Antônio e José Mentor, Ênio e Jilmar Tatto, Cândido Vacarezza e outros, culminando com Rui Falcão. Secretário de Marta na prefeitura de São Paulo, Falcão foi seu candidato a vice-prefeito em 2004. Neste ano, foi o deputado estadual eleito com o maior número de votos da coligação PT/PCdoB.

Não por acaso

Em reconhecimento à bela vitória de Marta, o presidente Lula escolheu-a para coordenar a campanha para sua reeleição no Estado de São Paulo. A ex-prefeita vem trabalhando com todo gás, sem descanso.

domingo, 15 de outubro de 2006

Eleitor indignado

Foi rápido demais. O debate da TV Bandeirantes serviu para confirmar aquilo que este blogue já houvera antecipado: que no segundo turno cairia a máscara de santo do candidato Geraldo Alckmin. Só não imaginei que a confirmação ocorresse tão depressa, antes mesmo do reinício do horário eleitoral gratuito, logo no primeiro confronto direto entre ambos.

A agressividade de Alckmin revelou sua profunda falta de respeito ao outro, contrastando com sua aparência de menininho puxa-saco de professor que se senta na primeira carteira da classe.

O desrespeito de Alckmin a Lula foi tão patente que aquele não tratou este por “presidente” nenhuma vez. Zero! Em contrapartida, Lula, que o preconceito de muitos leva-os a ver como “ignorante”, “bronco”, o “sapo barbudo”, dirigiu-se a Alckmin chamando-o de “governador” exatas 44 (quarenta e quatro!) vezes. Lula, o despreparado, o indigno de representar o Brasil junto à comunidade internacional, chegou ao cúmulo de tratar o oponente por “Vossa Excelência” em duas ocasiões. A “retribuição” de Alckmin, o príncipe, o perfumadinho de cabelos (!?) alinhados, veio na forma de “Lula”, “candidato”, “mentiroso” e “você”. Os dados foram levantados e divulgados pelo jornal “Folha de São Paulo”.

Na segunda-feira, ainda embriagado pela idéia de ter sido sua a vitória no debate, Alckmin negava ter sido agressivo e dizia que apenas houvera “expressado a indignação do povo”. No outro dia, porém, o resultado da primeira pesquisa Datafolha já revelava quem de fato houvera expressado a indignação contra quem. De lá para cá, diferentes pesquisas vêm mostrando que ele perdeu e continua perdendo votos, enquanto Lula ganha 1% de votos por dia, em relação à totalidade de votos. É o eleitor expressando sua indignação à agressividade e à falta de propostas do tucano.

Considerados os votos válidos, a maior diferença a favor de Lula está em 14% (Ibope). Significa mais de 14 milhões de votos. Daqui até o dia da eleição, para não ser reeleito teria de perder cerca de 500 mil votos por dia, isso se cem por cento desses eleitores migrassem para o adversário tucano.

A ordem entre os companheiros, no entanto, é não baixar a guarda. Ocupar as ruas, mobilizar organizações sociais, articular na família, no trabalho, na igreja, no clube, na internet. Só têm direito a férias, a quinze dias num spa ou confinados num pesqueiro, os assessores mais próximos de Lula...

segunda-feira, 2 de outubro de 2006

Aventuras do "Mala Man"

O crime da mala

Fora eu da coordenação da campanha do presidente Lula e proporia que o programa de TV mostrasse uma "reconstituição" do crime. Como fez a patota do Alckmin no primeiro turno, sequiosa de causar impacto visual com a imagem que só depois veio a obter com a tal foto, juntaria uma montanha de dinheiro falso simulando o que fora encontrado pela polícia e tentaria enfiar a grana numa mochila semelhante à usada por Hamílton Lacerda, mostrada à exaustão pela mídia. Aposto que não cabe! Não é possível que caiba!

"Mala Man", o supervilão

Porém, se verdadeira essa presepada, recomendaria a Lula que começasse a rezar o "Pai Nosso" todo santo dia, até o final do segundo turno, dando ênfase à parte final da oração: "Não nos deixeis cair em tentação e livrai-nos do 'Mala Man' ".

Os inocentes pagam...

Quem mais estrago sofreu por conta do "Serragate" foi o ex-ministro da Saúde Humberto Costa, apeado do segundo turno das eleições a governador de Pernambuco após ter sido denunciado pelo MTF (Ministério Tucano Federal) por suposto envolvimento com os sanguessugas. Ironia: foi Costa quem denunciou a máfia e desencadeou as investigações.

...pelos pecadores

Enquanto isso, passou incólume o tucano José Serra, que, na mais branda das hipóteses, estava na mesma situação de Costa. Desculpa do MTF: "as investigações só foram feitas a partir de 2003". Ou seja, o MTF só pegou o denunciante e se fez de cego a quem, no mínimo, fechou os olhos... Por Santa Luzia!

Sabia...

Serra sabia do envolvimento de seus assessores diretos, como a tal Maria da Penha, com as máfias dos vampiros e dos sanguessugas - e, portanto, foi conivente -, ou não sabia? Se não sabia... bem, creio que não preciso repetir a ladainha que tucanos e pefelês fizeram e fazem até hoje em relação a Lula.

...ou não sabia?

E Geraldo Alckmin? Sabia que seus secretários da Segurança Pública e da Administração Penitenciária negociavam com o PCC trégua em troca de privilégios, ou não sabia? Se... enfim!

Fatos e fotos

O delegado Francenildo... ops! O delegado da PFL (Polícia Federal Ligadaaostucanos) que forneceu a foto da montanha de dinheiro à patota do Alckmin já apresentou três ou quatro diferentes versões para o caso. Numa delas, entre gaguejos e outros sinais exteriores de nervosismo, contou que deixara três CDs sobre "a mesa do escrivão" (ô senso de cuidado que tem o homem, sô!), sendo que um deles havia "sumido" no dia seguinte. Foi então que pensou: "bem, se um já sumiu, vou entregar os outros para a 'turma do chuchu'!" Com raciocínio tão lógico, pergunta-se como pôde ser aprovado no rigoroso concurso público da Polícia Federal?

Pesos e medidas

Embora não haja tipo penal no qual se possa enquadrar a conduta de quem "adquire provas contra outrem", opositores de Lula e mídia apressaram-se a condenar o presidente por isso (apesar das evidências contrárias a qualquer participação sua no episódio), impugnaram sua candidatura e chegaram a pedir a prisão dos envolvidos. Já violar segredo de justiça estabelecido por lei para processo eleitoral configura, no mínimo, falta ao cumprimento do dever funcional. E ninguém condena!?

A hora da verdade

Andei ausente da rede por conta da militância. Conciliar o trabalho profissional com as atividades políticas não foi fácil, não sobrou tempo. Aqui estamos novamente, enfim.

Infelizmente, vimos adiada a comemoração da vitória, por tão poucos votos. Foi assim em 2002, estamos acostumados. Importa mesmo é que saímos de alma lavada destas eleições. Basta ver a performance excelente de governadores eleitos, em especial do ex-ministro Jaques Wagner, da Bahia, que destronou ACM e companhia, e de fortes expectativas, como Ana Júlia, no Pará, e Olívio Dutra, no Rio Grande do Sul.

Feliz especialmente estou pela eleição de Antônio Mentor, deputado estadual, e José Mentor, federal, para quem destinei meus modestos apoios.

Feliz igualmente com o retorno de gente injustiçada, que foi tripudiada pela mídia sem piedade e qualquer chance de defesa, como Genoíno, Palocci, João Paulo Cunha. Lamento pela Ângela, esta a mais injustiçada de todos, e do professor Luisinho.O eleitor petista provou que é maduro, inteligente, consciente, e que não se deixa levar por mentiras, por mais que elas sejam repetidas tantas vezes.


Foi duro, nos últimos dias, suportar o massacre midiático. O "Serragate" dominou completamente o noticiário, como se fosse a coisa mais importante do mundo. Engraçado que o conteúdo do "Dossiê Serra" não inspirou as mesmas preocupações, nem a forma ilícita como as fotos do dinheiro, supostamente encontrado com petistas, foram obtidas pela coordenação da campanha do angelical Geraldo Alckmin...

Lula, porque chamou seus próprios aliados, e com inteira razão, de "aloprados", foi censurado pela mídia; Alckmin comparou o presidente da República a "ladrão de carro", chamou-o de "chefe de quadrilha", fez toda sorte de desaforos, mas não foi destinatário de sequer um suspiro de indignação por parte dos mesmos censores do candidato petista.

Agora é arregaçar as mangas e trabalhar firme pela vitória no segundo turno, quando certamente cairá a máscara de "
santo" de Alckmin. Embora Lula nem precise de fazer ataques, é inevitável que nos debates - que agora se darão em pé de igualdade (não mais de três contra um) -, serão abordados assuntos espinhosos para o espinhento "picolé de chuchu".


A conivência do governo tucano com o PCC é um exemplo. Outro é a blindagem do governador Alckmin, que não permitiu a abertura de nenhuma das 69 CPIs requeridas pela Assembléia Legislativa, o que permite vislumbrar o quanto ele vem tentando esconder há tanto tempo. Há coisas do arco da velha! A destruição da escola pública no estado, a overdose dos pedágios, o descaso com estradas que estão sob cuidados do governo estadual (minha Capivari que o diga!), a ausência há doze anos de aumentos salariais aos servidores públicos, essa coisas.

Por outro lado, Lula poderá falar mais diretamente à classe média. Mostrar, por exemplo, que o grande mal da corrupção não é somente ela mesma, mas a impunidade, que a encoraja, fomenta e perpetua. Nesse aspecto, o governo Lula dá de vinte a zero no governo tucano. A atuação da Polícia Federal sob seu comando, comparada à ineficiência do período anterior, mostra de modo incontestável que no atual a corrupção não ficou impune, nem mesmo quando foi preciso "
cortar na própria carne". As pessoas se esquecem ou fingem não perceber que foi a Polícia Federal do governo do PT que prendeu em flagrante os integrantes do próprio PT que supostamente tentavam comprar o tal dossiê (sem falar da óbvia desproporção entre valor e conteúdo).

Mostrar que os programas sociais favorecem não apenas os pobres do Norte e Nordeste, mas também à própria classe média do sul e do sudeste, na medida em que permite aos brasileiros de lá manterem-se em seu lugar de raiz. Os migrantes não são um problema, como disse José Serra expressando preconceito, mas é certo que o inchaço dos grandes centros provocado pelo processo migratório acirra a disputa por moradia, emprego, salários, serviços públicos, o que por vezes é fator gerador de graves conflitos sociais.


Mostrar que programas como o bolsa-família contribuem para o aquecimento da economia, tanto de lá, onde estão os principais beneficiários diretos, como de cá.

Mostrar que a classe média também foi favorecida diretamente pela política do governo federal, como, por exemplo, com a ausência de elevação de impostos (não confundir com elevação da carga tributária, fruto da arrecadação mais eficiente) e, em especial, com o reajuste da tabela do imposto de renda por duas vezes (o governo do PSDB, durante oito anos, recusou-se a fazê-lo). A classe média, assim como a pobre, também pôde comer melhor, estudar melhor, construir e fazer reformas domésticas, empregar-se e reempregar-se etc.

Enfim, Lula terá oportunidade de, com sutileza para não ferir suscetibilidades, fazer a classe média perceber que ela não pode continuar adotando uma postura hipócrita e contraditória. Em duas palavras, se clama por decência na administração pública, precisa perceber que o combate à corrupção é um processo que envolve sobretudo o rompimento da regra da impunidade; se clama por melhoria de qualidade de vida, deve compreender que, por uma questão de justiça social, esta deve começar pelo bem estar dos menos favorecidos, o que se reverte em favor de todos.

quinta-feira, 21 de setembro de 2006

Da tragédia à farsa

Como Jack, vamos por partes:
  1. A coordenação de campanha do PT ao governo federal é acusada de querer comprar dossiê que prejudicaria o candidato ao governo do estado de São Paulo. De federal para estadual, é isso mesmo?
  2. Lula, cuja candidatura vem nadando de braçadas num verdadeiro mar de rosas, teria interesse em prejudicar Serra, que não é seu adversário. Ou Serra ainda não se convenceu da derrota de 2004 e pensa que sua disputa é com Lula?
  3. Valdebran é anunciado como filiado ao PT, mas estava distante do partido, tendo-se aproximado do PMDB de Mato Grosso depois de ter sido recusado para o cargo de diretor da Eletronorte, barrado por iniciativa do PT matogrossense (senadora Serys à frente). Tinha motivo para vingar-se, certo?
  4. Ele e Gedimar, integrantes do serviço de "inteligência" da campanha de Lula, teriam negociado com os Vedoins, inclusive por telefone, mesmo sabendo (ou ao menos devendo supor) que estes vinham sendo monitorados pela Polícia Federal 24 horas por dia. Eu disse "inteligência"?
  5. Expedito ora é anunciado pela mídia como a pessoa que garantiu o pagamento pela compra do dossiê, ora se diz que foi ele que elaborou o dossiê. Ué!? O PT queria comprar um dossiê que ele próprio havia elaborado?
Enfim, soma daqui, subtrai dali, multiplica, divide, mas a conta não bate, não fecha.

Enquanto isso, o que se sabe é que um mês antes desse episódio membros do PSDB haviam mantido negociação com os Vedoins, que pretendiam vender-lhes um dossiê anti-Lula.

José Serra, experiente na arte de espionar e forjar flagrantes com montanha de dinheiro (quem não se lembra da capa de Veja envolvendo Roseana Sarney, em 2004, que a tirou da disputa à presidência da República naquele ano?) , esbraveja porque a Polícia Federal não permitiu que se fotografasse a grana. Os tucanos tanto queriam o impacto visual que, no horário eleitoral gratuito de agora há pouco, de Alckmin, trataram de mostrar dinheiro falso simulando o que teria sido encontrado pelos policiais.

Já dizia Karl Marx que, na História, toda tragédia se repete como farsa.

Cortina de fumaça

Enfim, a tucanada conseguiu criar uma poderosa cortina de fumaça para encobrir suas inegáveis relações com a máfia dos sanguessugas. Com apoio da grande mídia, que há muito tempo fez sua opção, tornou a tentativa de compra do dossiê mais importante do que o próprio.

Por falar nisso, comprar dossiê é crime?

Ocultar prova, sim, é crime. Tentar obtê-la também é?

quarta-feira, 20 de setembro de 2006

Pra começar



Tomando carona na onda dos blogs, aqui vai o meu.

Não crieis grandes expectativas, porém, amados leitores. Talvez não encontreis novidade significativa por estas bandas, previno-vos. Pretendo comentar fatos políticos e jurídicos, enxertar alguma poesia, crônica, literatices, essas coisas. Perdoai-me, enfim, pela falta de originalidade.

Para começar, quero destacar duas grandes ironias que marcaram o recente assassinato do Coronel Ubiratan, deputado estadual que conheci pessoalmente pelos corredores da Assembléia, poucos dias antes de sua morte.

Impossível não lembrar, não mencionar sua participação no trágico episódio da invasão do Carandiru, quando 111 presos foram mortos por policiais sob seu comando.

Primeira ironia: ele, que foi responsabilizado pela morte dos 111 "machões" (na verdade, presos indefesos que já estavam dominados, mas o imaginário popular certamente não conseguirá desassociá-los da idéia de portentosos varões), acabou assassinado pelas delicadas (!?) mãos de uma mulher. Eis mais uma vez o velho e perigoso "fogo amigo", para usar uma expressão própria da política. Isso, claro, tomando por base as suposições de que tenha sido mesmo a namorada a autora do único disparo que o vitimou. Concedamo-la, por óbvio, o benefício da dúvida, em respeito ao constitucional princípio da presunção de inocência, que anda meio esquecido, especialmente quando se trata de emitir juízos sobre comportamento de companheiros petistas e outros políticos.

Segunda - e mais grave - ironia: Ubiratan foi um dos mais ardorosos defensores do voto contra o desarmamento, por ocasião do referendo, de triste memória. Participou de debates na TV, em universidades, sempre ao lado de gente como Fleury, Conte Lopes, Erasmo Dias... Como eles, vociferou aos quatro ventos que arma em casa serve para defesa pessoal. Pois é. Logo ele, experimentado policial, usuário de arma de fogo por dever de ofício, quem diria... morto por sua própria arma de uso doméstico!

Enfim, que Deus o tenha em bom lugar, ao lado das 111 almas produzidas sob sua batuta. Que decerto o aguardaram ansiosamente e o recepcionaram de forma assaz calorosa lá na margem oposta do rio...