domingo, 21 de setembro de 2014

Apostar contra a realidade faz perder votos

A mídia apostou em Aécio e Aécio apostou na mídia. Esse foi o erro de ambos.

Aécio vem insistindo, no horário eleitoral gratuito, como já fazia antes, em sustentar teses mais que furadas ventiladas e veiculadas pela Máfia Midiática, que quer de todo jeito Dilma e o PT fora do poder, como "inflação alta e descontrolada", "juros altos", "ameaça de desemprego" e "essa roubalheira toda".

Obviamente suas palavras não encontraram ressonância no interior dos lares dos brasileiros, que vivem realidade totalmente oposta à do mundo imaginário da mídia.

Para piorar, ele se recusou a seguir a linha adotada por Alckmin e Serra em eleições presidenciais passadas, que fizeram questão de omitir seus vínculos com FHC e até mesmo a imagem deste. Ambos perderam, é verdade, mas chegaram ao segundo turno e saíram dos pleitos com certa dignidade. Aécio, ao contrário, procurou ligar sua imagem à do ex-presidente.

Deu no que deu.

A Máfia Midiática já não esconde que trocou sua aposta, ela que vinha flertando com Marina há algum tempo. Aécio, esse virou pó, não tem mais salvação. Não vai dar nem para continuar "morando na propaganda" da mídia. Só lhe resta tomar seu aviãozinho rumo às Geraes e aterrissar o quanto antes no aeroporto privatizado da fazenda do tio, sentar-se numa boa cadeira de balanço na varanda, puxar uma palhinha, picar um fumo de corda e relaxar...

Moral da história: não se bate na realidade.


Autoajuda

Marina não é uma candidata a Presidenta da República. É um livro de autoajuda ambulante. Uma personagem viva de Paulo Coelho. Protagonista de um besteirol continental.




domingo, 14 de setembro de 2014

Uma Nação de Homens Bons

(Advertência: este texto contém ironias)

Estou me simpatizando cada vez mais com essa ideia da Marina Silva de governar com os "homens bons", e só com os homens bons. É um sonho ter um país governado por homens de bem. Qual Nação não gostaria, não é mesmo?

Tive até uma ideia ainda mais genial. Acho pouco ter somente um governo formado por pessoas do bem. Acho que muito melhor seria termos logo uma nação inteira formada por essa casta de gente boa.

Só não estou certo sobre como nos livrar dos homens e mulheres que não são bons, aqueles e aquelas que não cabem exatamente no figurino ideal que projetamos. Pensei em um amplo processo de esterilização, mas ponderei que seria uma medida extremamente lenta, demoraria gerações até que os resultados concretos alcançassem resultado satisfatório.

Foi então que tive a mais genial das ideias. Poderíamos separar os maus dos bons e os concentrar em grandes fazendas, confinados por cercas elétricas, longe da civilização virtuosa, onde de quando em quando submeteríamos as pessoas más, em grupos, a sessões de câmaras de gás. Em pouquíssimo tempo teríamos uma pátria hígida, livre das maldades, em que só os bons viveriam e procriariam, até que em breve porvir nossa Nação brasileira constituísse uma raça superior e povoasse o mundo.

Com essas ideias na cabeça estou pronto para votar em Marina. Ela, com o auxílio luxuoso de gente da estirpe de um Silas Malafaia, de um Roberto Freire, de um Jorge Bornhausen, saberá separar o joio do trigo e unificara a Nação dos Homens Bons, instituindo finalmente a tão almejada Nova Política, que perdurará por todos os séculos e séculos.

Com a graça divina, amém.

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Todos os "Homens Bons" da Presidenta


Falando sério, muito sério. Todos nós, petistas, quase sem exceção, sempre admiramos Marina Silva. Por sua história de vida, por sua postura antes firme na defesa das nossas bandeiras, das causas populares, por seu caráter. É uma pessoa dócil, extremamente inteligente, com uma experiência de vida riquíssima.. Poderia, sim, ser uma "Lula de saias".


Estive algumas vezes com ela, ao longo de nossa trajetória política, coincidente no tempo. Sempre nutri por ela enorme admiração, até o dia em que ela concretizou sua ameaça de deixar o PT e aventurar-se em um projeto de âmbito indisfarçavelmente pessoal. Nem mesmo isso, porém, transforma-a numa pessoa digna de desprezo. Não concordo com quem pretende transformá-la em uma "pessoa do mal" - de plano, abomino maniqueísmos - só porque "virou a casaca". Não acho que ela não coubesse no figurino de presidenta da República. - até torcia por isso, enquanto ela se mantinha associada às lutas que eu mesmo empreendo desde minha juventude.

Tudo de que discordo é da opção que ela fez pela carreira solo. Aliás, em política, carreira solo não existe. Preocupam-me as pessoas em seu entorno, os apoiadores "desinteressados" de um banco, como o Itaú, ou de uma empresa, como a Natura, não por acaso grandes devedores do erário federal.

Dirão que Lula também teve apoio, em campanha, de bancos, empreiteiras e outros empresários "desinteressados". Mas o fato é que Lula jamais rompeu com as bandeiras históricas do partido que fundou e que juntos construímos,.

Preocupam-me as súbitas mudanças de Marina, sua inflexão de 180 graus em relação a determinados temas, desde a do âmbito pessoal, em que trocou o catolicismo progressista da Teologia da Libertação pelo mais anacrônico evangelismo, o chamado "neopentecostalismo" (aliás, a partícula "neo" na palavra engana tanto quanto no discurso da "nova política"), passando por outras renegações de defesa de causas populares, para flertar com o neoliberalismo (olha o "novo" aí outra vez!...).

De todo esse quadro, porém, o que me preocupa é a renegação da própria história, ao ponto de ela renegar a Política. Marina é inteligente, perspicaz, de modo que não é possível que não esteja vendo a dimensão oceânica da aventura em que mergulhou.

Da negação dos partidos (sua mal costurada "Rede" sequer leva "partido" no nome, fórmula, aliás, já adotada pelo "Democratas", o ex-PFL, ex-PDS e ex-Arena da velha política...) - que veio como rescaldo das "jornadas de junho" - ao falso discurso da "nova política", em tudo seu caso se assemelha aos de Jânio Quadros, nos anos 60, e Collor de Mello, em 89. Ambos chegaram à presidência da República montados em partidos nanicos, frágeis - em relação aos quais o de Marina, a tal Rede, é o de maior fragilidade, pois sequer se consolidou formalmente perante a justiça eleitoral. Ambos traziam um discurso moralista, sem conteúdo conhecido, e se posicionavam como protagonistas de uma "nova política".

Indagada sobre com quem irá governar, Marina se limita ao discurso vazio de que terá ao seu lado os "homens bons". Desconheço que haja no mercado um aparelho de raio X que radiografe o caráter dos potenciais ministro e demais assessores. E ela menciona Eduardo Suplicy e Pedro Simon, a respeito de quem diz terem ficado "no banco de reservas" até agora - mesmo sendo, ambos, vetustos e respeitados senadores da República. E recentemente, em entrevista a Renata Lo Prette, da GloboNews, Marina acrescentou o nome de Jarbas Vasconcelos, outro, imagino, lídimo representante da "nova política". 

Em seguida, ela diz que "o povo" lhe fornecerá os tais "homens bons". Pois esse "povo", por experiência histórica, ao lado de tucanos e petistas, lhe fornecerá Renan Calheiros e sua trupe no Senado, a turma do Sarney e do Collor os parlamentares do PMDB e do PTB e todo o baixo clero dos partidos menores, ávidos por cargos e outras benesses. Que vão fazer valer sua representatividade popular e, claro, seu poder de fogo, obstruindo e votando conforme seus interesses, até que a presidenta Marina os satisfaça. Porque é assim e assim será enquanto não houver uma profunda reforma política, como vem pregando a presidenta Dilma e o PT em geral.

Eleitos pelo voto direto, mas com forte apoio da direita, Jânio e Collor foram rifados logo em seguida. Sem um partido forte, sem apoio consistente no Congresso, sem apoio de entidades representativas da sociedade, sem respaldo popular organizado, Jânio renunciou e Collor foi destituído do cargo. Não é possível que não tenhamos aprendido algo com a História.

Termino com uma singela homenagem à Marina que conheci e que tanto admirei.


quinta-feira, 19 de junho de 2014

Relato de um "Self Made Man"

Sou de uma geração que se acostumou a ouvir que o Brasil era o “país do futuro”, mas esse futuro nunca chegava e parecia que jamais chegaria. 
O fim da ditadura militar trouxe enormes esperanças numa democracia que incluísse justiça social, mas as eleições diretas foram rejeitadas e tivemos que engolir a escolha do primeiro presidente civil pós-64 pelo voto indireto de  deputados e senadores.

Graças a um eficiente trabalho da mídia elitista, Tancredo Neves, o eleito, tornou-se nova fonte de esperança. Morreu antes de ser empossado. Tivemos que suportar outros cinco anos com o vice, José Sarney, ex-aliado do regime militar (eterno aliado de qualquer governo), no comando da Nação. Foi um período desastroso. Sarney legou-nos, ao menos, a Constituição de 1988, realentando as esperanças.

Vieram, finalmente, as primeiras eleições diretas e a esperança ressurgiu com força, para muitos com a possibilidade de Lula ser eleito. Lula não venceu, mas o escolhido, Fernando Collor de Mello, representava, para a outra metade do país, a esperança incubada desde minha meninice. Foi uma decepção desde os primeiros dias de mandato, desde que promoveu o confisco das poupanças. Caiu por “impeachment”, num movimento iniciado pela oposição, mas ao final orquestrado pelos barões da mídia que outrora o haviam tornado o célebre (e falso) “caçador de marajás”. A elite agia como um deus, concedia o sopro da vida e a retirava quando desejasse.

Seguiu-se o período de outro vice, Itamar Franco, que se revelou um presidente apagado, por vezes pusilânime, mas que teve o mérito de conceber o Plano Real. Reavivaram-se as esperanças e seu ex-ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, sucedeu-o na presidência. A precária estabilidade econômica não era suficiente, porém, sequer para manter a inflação em níveis sustentáveis, muito menos os juros, sempre altos. Nem a entrega no atacado e a preços de banana das empresas públicas, com justiça apelidada de “privataria tucana”, serviu para melhorar a vida dos mais pobres, para enfrentar o dramático problema da miséria extrema que acometia grande parte da população brasileira, realidade que eu conhecia na própria pele, desde a infância.

Cresci, portanto, vivenciando a história de um país que tinha razões de sobra para ser pessimista. Éramos o país que não daria certo, jamais.

Enfim, veio Lula e as esperanças, vencendo o medo já expressado pela elite e seus cachorrinhos de luxo (quem não se lembra da atriz global apregoando seu temor pelo futuro, caso o ex-metalúrgico fosse eleieto?), finalmente se tornaram realidade em grande medida.

Milhões de esquecidos nos afastados rincões do país e nas periferias paupérrimas das grandes cidades, até então condenados a morrer na miséria absoluta, viram-se contemplados com políticas de socorro emergencial, bastantes para lhes assegurar não morrer de fome. Esses brasileiros aos poucos foram tomando gosto por experimentar uma vida digna. Vieram muitos outros programas, que levaram energia elétrica para milhões de famílias, que promoveram sua inserção no mercado de consumo, que asseguraram que seus filhos pudessem ingressar em cursos técnicos ou universitários. O filho da faxineira passou a ter a oportunidade de ser doutor – coisa que, no meu tempo, era algo inimaginável, salvo raríssimas exceções, como no meu próprio caso.

Sou do tipo que não deve nada a ninguém, portanto, a não ser à minha mãe, à minha irmã e ao tio que me criou, que participaram da minha sofrida trajetória. Fiz Direito em universidade particular, pagando mês a mês com o salário que recebia (de um cargo conquistado por concurso público), do qual não sobrava nada, sequer para comprar os livros necessários. O que conquistei na vida é mérito exclusivamente meu e de minha família. Jamais fui beneficiado por bolsa de estudos, nem por qualquer favor governamental ou particular.

Eu tinha tudo, por conseguinte, para fechar-me em meu mundo, viver em função do meu trabalho, do meu escritório de advocacia do qual retiro meu sustento, e me “lixar” para o que acontece com a vida dos outros. Tinha razões de sobra para ser ególatra e egocêntrico, defensor da “meritocracia”, do “esforço próprio”, como tenho visto em manifestações de diversas pessoas, nas redes sociais – como numa carta recentemente disseminada, de uma senhora que se diz “da elite”, na defesa do valoroso marido “self made man” (como os norteamericanos chamam a pessoa que venceu na vida graças ao próprio esforço). Gente que, em muitos casos, estudou em faculdades públicas, mantidas pelo povo, mas que, apesar disso, é do tipo que se gaba dizendo “ralo dez horas por dia”, “vivo do meu trabalho”, o que justificaria seu comportamento ativo contrário a programas sociais, como o “bolsa-família” ou as cotas nas universidades e no serviço público.

Eu tinha razões, enfim, para ser como essas pessoas desprovidas de solidariedade (geralmente, falsos cristãos), mas faço questão de não ser. Construí minha carreira profissional paralelamente à militância política. Estudei, trabalhei e continuo trabalhando sem abdicar de lutar para que as oportunidades que eu cavei para mim, com méritos próprios, sejam garantidas por programas governamentais para todos os brasileiros, pobres ou ricos, brancos ou negros.

É uma questão de índole, de berço. Embora não deva nada a ninguém, não me sentiria bem num mundo em que eu gozasse de privilégios à custa do sacrifício de uma imensa maioria.

É por isso que sou e sempre fui PT. É por isso que, em outubro, votarei em Dilma para presidenta e em Padilha para governador.

(Luís Antônio Albiero, advogado em Americana e Capivari, em 19 de junho de 2014).

quarta-feira, 7 de maio de 2014

Sheherazade e o Reino da Barbárie



Sheherazade contava histórias ao marido, rei da Pérsia que, traído pela primeira esposa, matara a infiel e a todas as que a sucederam, com as quais se casara posteriormente, ceifando-lhes a vida logo nas noites das respectivas nùpcias. Contando histórias instigantes que nunca concluía, a esperta Sheherazade adiou sua morte e trouxe sossego ao povo por mil e uma noites.

No Brasil, a vida real parece oposta à da lenda persa. Aqui, contando histórias reais noite após noite, por meio da televisão, Rachel Sheherazade e suas versões masculinas - os Datenas e Marcelos Rezendes da programação nossa de cada dia - trouxeram desassossego ao povo brasileiro. Com sua voz firme e seus exuberantes olhos claros, a encantadora apresentadora de cabelos louros disseminou o ódio contra os meninos pretos e pobres da periferia, avalizando e incitando o justiçamento, a prática de uma suposta "justiça" com mãos próprias, ainda que à custa da vida de um infeliz acusado sem prova de furto ou outro crime.

A humanidade evoluiu da barbárie à civilização e encontrou no direito e na politica os meios pacificos e equilibrados de praticar justiça, a partir da preservação da dignidade humana, erigindo a presunção da inocência a um valor a ser respeitado por todos e para todos e delegando ao estado a apuração dos fatos, com garantia do devido processo legal, do direito à ampla defesa e ao contraditório, até chegar à definição e execução das penas dos culpados. O avanço dos meios de comunicação contribuiu significativamente para a difusão desses conceitos e para a paz social no âmbito territorial mais amplo possível.

Os meios de intercomunicação social, porém, na medida em que experimentam natural evolução, parecem sofrer grave inflexão histórica, passando a contribuir para um célere retrocesso aos tempos primitivos. A exortação da apresentadora do SBT abriu as comportas para uma sequência de linchamentos que se seguiram ao do menino negro amarrado ao poste, mas não passou de um grão de areia ao lado de infindáveis linchamentos morais que visualizamos diuturnamente nas redes sociais. Essa escalada de estímulos à violencia culminou com o recente episódio ocorrido no Guarujá, onde a violência virtual saiu da tela do Facebook e se transformou em tragédia real, por conta de um boato, uma mal formulada suposição de culpa, em que a patuleia, inebriada com as histórias raivosas da Sheherazade moderna e seus assemelhados masculinos, substituiu o papel do estado e, sumariamente, sem sequer ouvir a versão da acusada, decretou e executou a pena de morte contra uma dona-de-casa inocente.

Assome-se a isso a violência arbitrária praticada ao vivo e em rede nacional por ministros de nossa mais alta Corte no julgamento da ação apelidada "mensalão", como que abonando e estimulando, com suas condenações sem prova e baseadas em presunções e juízos políticos, as ações sanguinolentas do populacho. Aos poucos, vamos abrindo mão de nossa capacidade de nos indignarmos, substituindo-a por uma indignação seletiva, permitindo passivamente o restabelecimento do reino da barbarie, patrocinado por meios de comunicação que são concessões publicas, em relação aos quais a sociedade brasileira não exerce qualquer forma de controle.


domingo, 23 de março de 2014

Brasa Dormida


Entre um gole e outro de café, na livraria do shopping nesta tarde de domingo, ouvia eu, sem ter interesse nem como evitar, comentários de um ruidoso grupo que ocupava duas mesas ao meu lado. Eram homens e mulheres idosos cobertos por respeitáveis cãs. Uma delas, mais falante, dizia que, quando se formara professora, 51 anos atrás, alguém com autoridade desafiara sua turma de formandos a recuperar os “25 anos de atraso da educação brasileira”. Outro fez as contas e concluiu: “então, já são mais de 75 anos de atraso!”

Não preciso dizer que, a essa altura, minha audição aguçou-se e meu interesse concentrou-se naquela animada tertúlia. Um dia depois da frustrada “Marcha da Família”, à qual nem Deus se dignou a comparecer, parece-me natural minha curiosidade. E a primeira pérola foi lançada no mesmo instante: “o PT acabou com a educação no país”.

Nessas horas, em que casualmente ouço opiniões desse jaez, o sangue ferve e fico sem saber o que fazer. O desejo é de intervir e, com a paciência costumeira, chamar os interlocutores ao raciocínio. Mas não posso, bem sei. Em qualquer situação, seria deselegante e um atrevimento que não seria bem recebido pela companhia.

Minha reação foi deixar o lugar. Levantei-me e fui ao caixa, pagar a conta. Deixei o café comentando em voz alta, mas sem qualquer pretensão de que os alegres avós me ouvissem: “o PSDB governa São Paulo há vinte anos e a culpa é do PT!?” A vontade era de, com educação, perguntar qual a lógica desse discurso. Se o ensino no Brasil tem um atraso de 75 anos, como é que o PT pode ser responsável por isso? E, ao mesmo tempo, informar ao grupo que a educação é de responsabilidade dos estados – no nosso caso, de um governo instalado há duas décadas! O dobro do tempo que o PT governa o Brasil.

A uns passos dali, minha esposa me contou outra pérola que ouvira enquanto eu acertava a conta: “o PT despertou o ódio de classe”, dissera a mesma senhorinha falastrona.

Irracionalidades à parte, ocorreu-me o seguinte pensamento: essa coisa de o PT ter “despertado” o “ódio de classe” começa a me soar como uma observação verdadeira. Não, obviamente, como uma decisão proposital, consciente, mas como mero – e, quiçá, inevitável – resultado.

De fato, até a ascensão do partido ao poder, o miserável brasileiro repousava como brasa adormecida na fogueira social. Eles lá, aquietados no fundo da senzala, enquanto a minoria refestelava-se tranquila em confortáveis poltronas da casa grande. Vivia-se a paz dos cemitérios.

Lula soprou o braseiro. Levou à gente humilde alimento para matar-lhe a fome três vezes ao dia, esperança e confiança em que poderia conquistar bem mais que o pão nosso diário. Deu-lhe o peixe, mas também forneceu a vara, o anzol, a isca e lições de como pescar, tarefa que vem sendo complementada por Dilma. Ambos deram aos pobres de Cristo oportunidade de ocupar e usufruir dos recursos, públicos e privados, aos quais antes nem sonhavam ter acesso, como shoppings, bancos, aeroportos, planos de saúde, escolas e universidades públicas.

Como formigas alvoroçadas, a plebe passou a incomodar a nobreza, que se achava a salvo do formigueiro e que, de uma hora para outra, viu ameaçados seus privilégios.

Sem se dar conta, Lula e Dilma sopraram também a brasa dormida do sentimento que os da classe de cima sempre nutriram em relação aos negros e brancos habitantes da senzala. Nesse ponto, a velhinha de sóbrias cãs, fulgurantes olhos claros e pele alva tem lá sua razão, sobretudo em relação a si mesma.

Luís Antônio Albiero, 23.mar.2014

quarta-feira, 19 de março de 2014

A Marcha-à-Ré

Eu não tenho a menor preocupação com a tal Marcha que os extremistas estão prestes a promover, uma verdadeira marcha-à-ré na História do país, clamando pela “volta dos militares”. Mais uma vez se realizará a profecia de Karl Marx, para quem toda tragédia se repete como farsa. Será um espetáculo, no mínimo, cômico, tão ridículo como são os argumentos dos que defendem tal ignomínia.

Mas o tal evento abre oportunidade para, pelo menos, ampliar-se o debate na sociedade brasileira sobre o conceito de Política e, ao mesmo tempo, permite medir a que nível conseguem descer os que não são capazes de derrotar no voto o partido governista.

Travei recentemente um proveitoso debate particular com um conterrâneo, que dizia que os “marchistas” (não confundir com os “marxistas”, desafetos daqueles) não querem ditadura, nem o poder do Estado, nem mesmo um regime militar. Ele tentou explicar esse paradoxo, dizendo que “estamos suplicando aos militares que assumam o governo deste país justamente pelo que os políticos apresentaram nos últimos vinte anos”, ou seja, segundo ele, “enriquecimento ilícito pessoal com o nosso dinheiro”. E acrescentou que “todos os políticos são corruptos, nenhum presta”.

Então, é isso. Na base do discurso, o velho falso-moralismo dos que se dizem incomodados com a “corrupção” vendida diariamente pela mídia, embora, desde o episódio do mensalão, em 2005 – em si mesmo, uma mal engendrada mentira –, não se tenha tido nenhuma notícia séria sobre o tema no âmbito do governo federal, alvo preferencial dos “marchistas”. E que nada dizem sobre sonegação – que por certo é prática corrente de muitos desses que se articulam em favor do golpe – e sequer enxergam corrupção em outras esferas de governo, como a robusta propina comprovadamente paga pelas multinacionais Siemens e Alstom a tucanos de alta plumagem que governam São Paulo.

Meu contendor dizia esperar que, com os militares no poder (provisoriamente, se bem entendi), seriam presos todos os políticos corruptos. Fui um tanto deselegante, ao fazer troça dessa ideia. Como é que os militares definiriam quais políticos são corruptos e quais não são? Poderes divinais?

A partir da prisão em massa de todos os políticos – sim, porque todos são corruptos e nenhum presta – os “fichas limpas” poderiam concorrer aos cargos eletivos. Sugeri, então, que os novos “políticos” tivessem outra designação, como “marcianos”, “venusianos” ou “veganos”. Uai! Mas, afinal de contas, precisamos mesmo de uma intervenção militar para realizar algo que já existe? – objetei.

Disse a ele: “não sei se o decepciono, mas, por esse justíssimo critério, a atual presidenta, os ex-presidentes vivos - todos! Inclusive Collor e Sarney - são fichas limpas e têm totais condições de concorrer ao pleito. Como são também fichas limpas (para meu desgosto, digo agora) José Serra, Alckmin, Eduardo Campos, Marina Silva, Joaquim Barbosa... Salvo engano, só Aécio Neves responde a processos por improbidade, mas parece que ainda não houve condenação por órgão colegiado, de modo que até ele deve ser ficha limpa”.

Lembrei ao meu amigo que o país já possui instituições sólidas de controle, fiscalização e punição a atos de corrupção em pleno funcionamento, como CGU, TCU, MPF, PF, Câmara dos Deputados, Senado Federal, controladorias internas nos estados e municípios, MP estaduais, polícias estaduais, TCE’s, assembleias legislativas, câmaras municipais. A par desses, há as organizações da própria sociedade, que deve se manter sempre ativa, participativa e vigilante. Mas o meu amigo diz não acreditar no funcionamento das instituições – e a culpa, obviamente, é do governo federal; e a saída, naturalmente, é um golpe de estado.

Ele insistiu em dizer que “a roubalheira é cada vez maior”, regurgitando essa comida estragada que servem diariamente os telejornais, rádios, jornais e revistas.

Sobre a ideia de que os militares tomariam o poder apenas para convocar eleições, escrevi: “mas ora veja! As eleições já estão convocadas! Serão daqui a apenas sete meses! E a ela, rigorosamente, só poderão concorrer os políticos fichas limpas. Por que incomodar desnecessariamente nossos bravos soldados?”

Ele descrê da urna eletrônica, de modo que a intervenção serviria também para voltarmos à votação manual – mais uma marcha-à-ré. Argumentei que o PT vem amargando sucessivas derrotas eleitorais no estado de São Paulo, lá se vão vinte anos de tucanato, e nem por isso o partido sai por aí alegando fraude nas urnas eletrônicas. Da mesma maneira, o PSDB já perdeu três eleições presidenciais para o PT e, igualmente, jamais vi alguma liderança tucana queixar-se de tal fraude. Nem o PSOL, sempre irrequieto, jamais acusou de fraudulentos os resultados que lhe garantiram bancadas minúsculas nas recentes eleições.

Lembrei o exemplo de minha própria cidade, de minha própria candidatura a prefeito, em 2004, quando fui derrotado. Outros concorrentes chegaram a me procurar para adotarmos uma atitude em conjunto, porque, ao ver deles, era “evidente” que teria havido fraude em favor do eleito. Não embarquei nessa e até os demovi da ideia.

Nas eleições seguintes, em 2008, o eleito teve dois terços dos votos válidos e não faltou gente séria que, usando dados estatísticos e matemáticos, alardeava que só poderia ter havido fraude. Nas últimas, em 2012, o prefeito, então candidato à reeleição – portanto, no exercício do cargo, dotado de maior poder e, presumivelmente, de mais recursos – foi derrotado pelo atual, que teve os mesmos 2/3 de votos que seu concorrente houvera obtido nas anteriores. O que fizeram os críticos de antanho? Nada. Silenciaram, simplesmente.

Será que quem detinha a fórmula da fraude perdeu-a? Ou, subitamente, deixou de querer vencer eleições? Será que as lideranças do PT, do PSDB, do PSOL e dos demais partidos, que vencem aqui e perdem ali, vencem hoje e perdem amanhã, são tolos a ponto de aceitar passivamente fraudes assim tão “evidentes”?

Encerrei minha participação no debate dizendo: “Meu caro, só existe uma maneira de resolver isso: no voto. Respeitando nossa Constituição, que prevê que todo poder emana do povo, que o exerce diretamente, na forma da lei, ou por seus representantes, eleitos pelo voto popular. Convido-o, pois, a respeitar a soberania da vontade popular, dos cerca de 150 milhões de brasileiros aptos a votar.”

Publicado originalmente com o título de "Marx e os 'Marchistas' " no Facebook

Publicado também no blog Gestão Pública Social

terça-feira, 4 de março de 2014

O Cavaleiro das Trevas rasga a fantasia

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Os super-heróis de criação norteamericana costumam ocultar sua verdadeira identidade, por óbvias razões de segurança. Super-Homem, nas horas comuns, é Clark Kent; o Homem Aranha nasceu Peter Parker; e sob a máscara de Batman oculta-se o milionário Bruce Wayne, que se fantasia de morcego para defender os fracos e os oprimidos.

No filme “O Cavaleiro das Trevas”, a dupla personalidade leva o Homem Morcego a uma séria crise de identidade, a ponto de, ele mesmo, no final, pedir ao comissário Gordon que a polícia passe a tratá-lo como bandido, autoacusando-se pela morte do promotor Hardey Dent. Gordon aceita, dizendo que Batman é o “herói que Gotham City merece, mas não o que ela precisa agora”.

Nosso ainda presidente do Supremo Tribunal Federal tem sido reiteradamente associado à figura de Batman. Cantam-no como herói desta imensa Gotham tupiniquim. Mas ele, como seu congênere americano, sofre também de dupla personalidade.

Joaquim Barbosa chegou ao Supremo pelas mãos de Lula. O ex-presidente da República precisava indicar um novo ministro para a mais elevada Corte do país e queria dar um exemplo e um passo histórico: nomear o primeiro negro. Para Lula, era preciso dar vigor ao seu trabalho de expandir a representatividade popular nos postos de mando do país, em sua obstinação de empoderar as classes populares, os pobres, os fracos e oprimidos.

Nomeou Barbosa sem atentar para seu passado de agente de confiança durante governo da ditadura militar, subordinado a ninguém menos que o polêmico Golbery do Couto e Silva, de melancólica lembrança. Mas trazia no currículo uma obra, uma única obra jurídica de sua autoria em português (tem outra, acadêmica, em francês), que tem por título “Ação Afirmativa & Princípio Constitucional da Igualdade - O Direito como Instrumento de Transformação Social - A Experiência dos EUA”, lançada pela editora Renovar em 2001, em que defende a aplicação das cotas raciais. Foi a senha para que Lula o escolhesse.

Fico imaginando o conflito de nosso super-herói, antigo servidor dos regimes militares, tendo que dirigir-se ao presidente petista para pleitear a nomeação. Deve ter sido doloroso.

Quis o destino, como diria Sarney, que o menino pobre de Paracatu viesse a ser o relator do mais polêmico processo penal de que se tem notícia, julgado pelo Supremo.

Imediatamente, os agentes midiáticos, que outrora houveram condenado sua nomeação ao STF, destacando a truculência contra a própria esposa e questionando seu saber jurídico, transformaram-no em herói nacional, em super-herói, no Batman que mudaria o país, salvando-o da quadrilha que tomara de assalto o governo de Gotham City. Pelo voto popular, é verdade, mas isto é apenas um detalhe.

Na mesma velocidade, o negro outrora pobre alçado ao Supremo no bojo de um projeto político de empoderamento das classes populares, esqueceu-se disso. Deu de ombros à própria origem, aos irmãos de classe e de cor. Ignorou que o partido içado ao governo federal pela legitimidade do voto popular precisava implementar medidas que de fato sedimentassem o caminho de libertação dos miseráveis. E embarcou no discurso fácil do falso-moralismo, indo ao cúmulo de transformar um corriqueiro (mas não menos grave) crime de caixa-dois eleitoral em atos de corrupção. Ativa, é verdade, mas corrupção.

Lula saiu da senzala. Dirceu, Genoino, Delúbio, João Paulo, idem. Apostando na luta institucional, disputando o voto do eleitorado brasileiro, chegaram ao topo da pirâmide governamental sem jamais abrir mão dos valores da própria origem, sem jamais ceder às tentações do poder econômico. Barbosa, ao contrário, assimilou rapidamente os valores da Casa Grande. Deslumbrou-se debaixo dos holofotes, ao ver-se nas capas de jornais e revista e nas telinhas de TV.

A máscara caiu, porém. Pés de barro, não resistiu à verdade lançada à sua cara lavada pelo ministro Luís Roberto Barroso. Deixou escapar, ao vivo e em rede nacional, um esclarecedor “foi pra isso mesmo”, confessando o artificialismo que usou para condenar os réus, ato falho que na mesma hora percebeu, mas era tarde. A confissão estava feita.

Restou, em seu voto, aliás, em seu discurso “baixa-caixão”, lamentar a “triste tarde” em que parte da farsa da AP470 foi desvendada e sepultada pela maioria do Supremo. O milionário Bruce Wayne foi, enfim, revelado à Nação. Nesse discurso, Barbosa cunhou seu próprio epitáfio, cedendo uma vez mais à vaidade e à soberba, falando de si e de sua obra: “aqui jaz um trabalho primoroso”. Primoroso para a classe que ele optou por representar, dos que detêm o poder econômico no país. À luz da justiça e do Direito, uma merda.


O Brasil não precisa nem merece um falso herói como Joaquim Barbosa.

sábado, 15 de fevereiro de 2014

Carta Aberta ao Ministro Gilmar Mendes


Senhor Ministro.


Escrevo-lhe para encaminhar o anexo comprovante do depósito que fiz em favor do ex-ministro José Dirceu, preso por ordem do Ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal por ter sido condenado – em regime semiaberto, embora veja-se confinado em regime fechado desde o início do cumprimento da pena até a presente data – no rumoroso caso da Ação Penal 470.

Escrevo-lhe, sobretudo, levando em conta as infundadas e injustas suspeitas lançadas por Vossa Excelência sobre a origem das doações já efetuadas anteriormente pela militância e por simpatizantes do Partido dos Trabalhadores em favor de José Genoino e Delúbio Soares, cujos valores sobejantes foram repassados a João Paulo Cunha – todos presos e condenados nas mesmas condições de José Dirceu.

Desde logo, registro ter perfeita consciência de que nenhum argumento que aqui vou utilizar sensibilizará Vossa Excelência. Digo-o com a convicção de que Vossa Excelência formou seu caráter político e social em condição absolutamente oposta à minha e de milhões de brasileiros que, como eu, nasceram num país que não nos oferecia perspectivas de acesso a recursos – públicos e privados – que desde o descobrimento sempre foram tidos como privilégios dos nascidos em berço de ouro.

Advirto que sou exceção. Nasci pobre e, por esforço próprio e de minha família, em particular de minha mãe viúva, consegui vencer na vida, muito antes de o povo brasileiro eleger seu primeiro governo popular.

Nasci em Capivari, estado de São Paulo, no distrito de Rafard, hoje município, há exatos cinquenta anos.

Desde cedo compreendi que, para vencer, precisava estudar e trabalhar honestamente. E, órfão de pai, iniciei meu trabalho aos sete anos de idade, como vendedor no pequeno bar de um tio; aos dezesseis, tornei-me entregador de jornais e, aos dezoito, já era redator e revisor do jornal. Aos vinte, por concurso público, tornei-me escrevente no fórum de Piracicaba. Depois disso, fui bancário (Banespa, também por concurso público) e advogado do mesmo banco. Mantenho escritório próprio de advocacia desde 1995, quando deixei o banco, e hoje estou estabelecido em Americana (SP). Tive uma passagem pela Assembleia Legislativa de São Paulo, onde fui assessor jurídico da Liderança do Partido dos Trabalhadores. Encerrei minha breve experiência na ALESP como assessor do deputado Antônio Mentor, aqui em Americana. Hoje, dedico-me com exclusividade ao meu escritório, do qual extraio meu ganha-pão.

Em Capivari, exerci por dois mandatos o cargo de vereador, eleito a primeira vez em 1988, com 24 anos de idade, tendo retornado em 2000.

Minha militância começou aos dezesseis anos de idade, antes mesmo de o Partido dos Trabalhadores ter sido formalmente constituído. Corria o ano de 1979 e eu trabalhava no jornal, onde tinha acesso a periódicos da capital, em especial à Folha de São Paulo. Testemunhei à distância, pelos jornais e pela televisão, as lutas de Luís Inácio da Silva à frente do Sindicato dos Metalúrgicos em favor da redemocratização do Brasil, contra a ditadura instalada em 1964 e por melhores condições para seus companheiros de profissão. E compreendi quando Lula anunciou que a libertação dos trabalhadores só ocorreria se estes pudessem ocupar os postos políticos. Eu tinha dezesseis anos e tive a clareza de que não bastava aqueles metalúrgicos lutarem por seus direitos trabalhistas, nem mesmo simplesmente derrubar um governo ditatorial. Era preciso deter o poder de decidir sobre o salário mínimo, sobre os rumos da economia, sobre a educação, a saúde e demais políticas públicas.

Com essa clareza, arregacei as mangas e fui à luta. Distribuí muito panfleto ao longo de minha juventude, de madrugada, nas feiras, sob o sol e a chuva, de casa em casa, em portas de fábrica, e assim faço com gosto até os dias de hoje. Até ser eleito vereador, em 1988, jamais recebi qualquer valor que pudesse recompensar o que fazia. E ainda milito dessa mesma maneira, exercendo ou não algum cargo, seja eletivo ou em comissão.

Para isso, sempre investi meu precioso tempo e meus próprios recursos. Porque sempre tive a certeza de que era esse o meu investimento pessoal no ideal de um país melhor, um Brasil que erradicasse a miséria e proporcionasse igualdade de oportunidades para todos os brasileiros.

Estamos ainda longe desse ideal, bem sei, mas os passos dados e as conquistas obtidas até aqui nos últimos doze anos já me permitem ter convicção do acerto da minha escolha juvenil e, em consequência, ter orgulho da militância que desde então venho empreendendo.

Anonimamente, numa dimensão minúscula, vou assim contribuindo para escrever a história do meu país. Sei que, como mencionou o ministro Joaquim Barbosa, estou “fadado ao ostracismo”, mas ao menos para os que me cercam, para meus descendentes, para a gente da minha pequena cidade que me viu nascer, crescer e lutar, sei que serei lembrado por esse ideal.

Mas essa História, obviamente, não começou comigo, tampouco com o líder sindical, hoje grande estadista Lula. Essa história, apenas para demarcar um momento exato na linha do tempo (pois vem de bem antes), vem desde o malfadado episódio do golpe militar de 1964, e foi iniciada por aqueles aguerridos jovens que, como eu, e antes de mim, acreditavam que era possível construir um país melhor para todos e que, para tanto, era preciso lutar.

Falo, a toda evidência, de José Dirceu. Falo de José Genoino. E falo também de Delúbio Soares e João Paulo Cunha, assim como do próprio Lula e, em especial, da presidenta da República Dilma Rousseff. Todos que, ao seu tempo e ao seu modo, dedicaram sua vida, e a puseram em risco, em favor da causa do povo brasileiro. Não preciso repetir o que é de conhecimento de todos. Vossa Excelência, embora certamente negue valor, não ignora os acontecimentos.

Neste passo, retomo as razões de escrever-lhe.

Fiquei indignado com as suspeitas infundadas lançadas por Vossa Excelência.

É verdade que foram expelidas num momento em que eu, particularmente, ainda não havia contribuído com as campanhas, nem de Genoino, nem de Delúbio, por razões que aqui não cabe explicar. Mas vinha e venho acompanhando com entusiasmo a mobilização dos companheiros desde o início. Fui, mesmo, um incentivador, eis que as redes sociais são, hoje, minha principal arena de militância.

Fiquei indignado por ver o quanto Vossa Excelência desconsiderou a minha história!

Fiquei indignado porque Vossa Excelência emitiu inaceitável juízo de desprezo aos quase dois milhões de filiados do Partido dos Trabalhadores. Certamente, nem todos contribuíram, porque nem todos dispõem de recursos para tanto. Mas cada um que, como eu, tem um pouquinho a mais, contribui com mais, fazendo as vezes dos que têm menos. Simples cálculos matemáticos bastam para compreender a dimensão dos valores alcançados.

Isso se chama solidariedade.

Temo que Vossa Excelência não conheça o real sentido dessa palavra.

Há, também, em nosso ato coletivo, uma expressão de indignação pela injustiça cometida contra os companheiros, condenados apenas por serem agentes políticos que, na sua ação institucional, desagradaram pessoas que se pretendiam herdeiras naturais e exclusivas dos recursos públicos e privados que o povo brasileiro construiu ao longo dos últimos quinhentos anos.

Injustiça porque os companheiros foram condenados ao arrepio das garantias constitucionais e dos preceitos legais que conformam, ou deveriam conformar, o Estado Democrático de Direito sobre o qual pretende-se fundar a República Federativa do Brasil.

Comecemos pelo condenado tido como mais importante, aquele sobre cujas costas se lançou todo o peso da vingança da classe a que pertence Vossa Excelência.

Examinemos juridicamente – eis que é nesse terreno que nós, operadores do Direito, temos o dever de nos concentrar.

Em primeiro lugar, há um engano adredemente disseminado por toda a sociedade brasileira, que vê José Dirceu, assim como o próprio José Genoino, como “corruptos”, porque assim lhe foi dito. Ora, sabemos eu e Vossa Excelência que ambos não foram condenados por serem “corruptos”, mas pela inverossímil e injurídica condição de “corruptores”.

Examinemos a História do Brasil e do mundo. O que nos revela a experiência sobre “corrupção”? Terá mesmo sido esse o mais emblemático caso de “corrupção” de todos os tempos, como diuturnamente alardeado pelos meios de comunicação?

Trata-se, a corrupção, de um fenômeno em que, classicamente, se tem, de um lado, como corruptores, em geral empresas ou organizações que pagam a “propina” e, de outro, servidores públicos, que a recebem, via de regra para que estes pratiquem ou deixem de praticar algum ato que atenda aos interesses econômicos dos “corruptores”.

Já aí fica difícil enquadrar a figura dos condenados. José Dirceu não era representante de uma “empresa” ou organização econômica. Muito pelo contrário, era um agente público, um servidor, eis que investido no cargo de Ministro de Estado.

Nessa condição, cumpria-lhe atuar em nome do governo, em nome do presidente Lula, na necessária interlocução com os segmentos sociais, políticos e econômicos do país. Detinha, pois, um papel eminentemente político.

No entanto, foi acusado e condenado por “corrupção ativa”. Que o Código Penal reserva aos “particulares”, não aos servidores públicos. Sim, está lá, sobreposto ao art. 333, com todas as letras, que essa figura típica é e há de ser um “dos crimes praticados POR PARTICULAR CONTRA a Administração em Geral”.

Por particular”, repito. E “contra” a Administração, jamais em seu favor!

José Dirceu era ministro. Não era “particular”. Como tal, agia em nome e “em favor” da Administração Pública federal!

Foi acusado de liderar uma “quadrilha” – leia-se, como tal, o nosso Partido dos Trabalhadores –, a qual tinha por objetivo “perpetuar-se no poder”. Seria esse, então, o “interesse” do “particular” motivador da ação “corruptora” do ministro José Dirceu?

Ora, mas para “perpetuar-se no poder”, a tal “quadrilha” haveria de corromper deputados e senadores em grande quantidade, três quintos dos membros de cada Casa, e não para apenas aprovar reformas constitucionais necessárias e fundamentais ao país (“em favor” da Administração...), mas para aprovar uma emenda que, por exemplo, abolisse o voto popular – hipótese absolutamente repelida pela própria Carta Magna!

Sim, porque para corromper congressistas com vistas a “perpetuar-se no poder”, teria que ter uma garantia de que não correria o risco sempre presente de perder a próxima ou alguma seguinte eleição!

Salvo um cochilo de minha parte, não vi e jamais ouvi falar de uma proposta de emenda à Constituição que pretendesse abolir o voto popular ou que decretasse algo como uma “monarquia petista”. E se alguma propositura amalucada como essa porventura recebesse a aprovação do Congresso corrupto, Vossa Excelência, “expert” em Direito Constitucional, bem sabe o que sucederia. Aliás, sequer tramitaria, porque sequer poderia ser “objeto de deliberação”.

E para que, então, destinava-se a “compra de votos” empreendida pela “quadrilha” a que pertenço, liderada pelo ex-ministro hoje preso?

Para garantir a aprovação de reformas, como a da Previdência e a Tributária. Disseram-no durante o julgamento, ao vivo e em rede nacional, Vossa Excelência e outros eminentes ministros do Supremo, como o célebre decano Celso de Mello.

Pergunto a Vossa Excelência: em que medida a aprovação de tais reformas beneficiaria a “quadrilha” a que pertenço? Garantiria sua “perpetuação no poder”?

Muito pelo contrário. Soa risível imaginar que o Partido dos Trabalhadores pretendesse eternizar-se no comando da Nação fazendo aprovar reformas que, como a da Previdência, desagradaram, num primeiro momento, um imenso contingente de trabalhadores que se achavam na iminência de se aposentar, e que dali por diante tiveram que “pagar pedágio”, adiando a aposentação. Basta um simples esforço de raciocínio para bem compreender o paradoxo dessa hipótese.

Quanto a José Genoino, vi-o condenado apenas porque, na condição de presidente do Partido dos Trabalhadores, prestou garantia pessoal a um empréstimo bancário legítimo, que foi pago pelo tomador, tendo restado, inclusive, aprovado, anos depois, pelo Tribunal Superior Eleitoral! Bem deve saber Vossa Excelência – afinal, como bem-sucedido empresário do ramo educacional, já deve ter tomado empréstimos bancários em favor de sua empresa – que os bancos exigem um comprometimento pessoal daquele que figura como proprietário ou diretor maior da pessoa jurídica tomadora do mútuo. É rotina bancária. Sei disso, porque fui bancário e advogado de banco!

Enfim, não preciso me delongar a respeito dos erros cometidos no julgamento da Ação Penal 470 - como o absurdo de ver os recursos da Visanet tratados como "dinheiro público". Nem era esse meu objetivo.

Minha intenção era apenas encaminhar-lhe o comprovante anexo, da minha contribuição, feita com o fruto do meu trabalho como advogado, e externar-lhe minha indignação. Assim agiram, como eu, milhares de brasileiros de todas as classes sociais que reconhecem a luta empreendida ao longo dos anos pelos companheiros que hoje, encarcerados, são expostos à execração da patuleia como animais enjaulados, com a evidente intenção de que sirvam ao escárnio dos ignorantes e dos adeptos de doutrinas fascistas e nazistas, incomodados com o fato de hoje terem que dividir com pobres, negros, índios e toda sorte dos outrora marginalizados os espaços públicos e privados de que se achavam eternos detentores privilegiados.

Nos tempos modernos, repete-se a crueldade com que, pela mesma razão “pedagógica”, para “servir de exemplo”, este país viu enforcado e esquartejado em praça pública o herói Tiradentes. De cujos juízes que o condenaram, ninguém se lembra sequer do nome.

Tenha uma boa noite!

LUÍS ANTÔNIO ALBIERO
Advogado em Americana (SP)