Os
super-heróis de criação norteamericana costumam ocultar sua verdadeira
identidade, por óbvias razões de segurança. Super-Homem, nas horas comuns, é
Clark Kent; o Homem Aranha nasceu Peter Parker; e sob a máscara de Batman
oculta-se o milionário Bruce Wayne, que se fantasia de morcego para defender os
fracos e os oprimidos.
No filme
“O Cavaleiro das Trevas”, a dupla personalidade leva o Homem Morcego a uma
séria crise de identidade, a ponto de, ele mesmo, no final, pedir ao comissário
Gordon que a polícia passe a tratá-lo como bandido, autoacusando-se pela morte
do promotor Hardey Dent. Gordon aceita, dizendo que Batman é o “herói que
Gotham City merece, mas não o que ela precisa agora”.
Nosso
ainda presidente do Supremo Tribunal Federal tem sido reiteradamente associado
à figura de Batman. Cantam-no como herói desta imensa Gotham tupiniquim. Mas
ele, como seu congênere americano, sofre também de dupla personalidade.
Joaquim
Barbosa chegou ao Supremo pelas mãos de Lula. O ex-presidente da República
precisava indicar um novo ministro para a mais elevada Corte do país e queria
dar um exemplo e um passo histórico: nomear o primeiro negro. Para Lula, era
preciso dar vigor ao seu trabalho de expandir a representatividade popular nos
postos de mando do país, em sua obstinação de empoderar as classes populares,
os pobres, os fracos e oprimidos.
Nomeou
Barbosa sem atentar para seu passado de agente de confiança durante governo da
ditadura militar, subordinado a ninguém menos que o polêmico Golbery do Couto e
Silva, de melancólica lembrança. Mas trazia no currículo uma obra, uma única
obra jurídica de sua autoria em português (tem outra, acadêmica, em francês),
que tem por título “Ação Afirmativa & Princípio Constitucional da Igualdade
- O Direito como Instrumento de Transformação Social - A Experiência dos EUA”,
lançada pela editora Renovar em 2001, em que defende a aplicação das cotas
raciais. Foi a senha para que Lula o escolhesse.
Fico
imaginando o conflito de nosso super-herói, antigo servidor dos regimes
militares, tendo que dirigir-se ao presidente petista para pleitear a nomeação.
Deve ter sido doloroso.
Quis o
destino, como diria Sarney, que o menino pobre de Paracatu viesse a ser o
relator do mais polêmico processo penal de que se tem notícia, julgado pelo
Supremo.
Imediatamente,
os agentes midiáticos, que outrora houveram condenado sua nomeação ao STF,
destacando a truculência contra a própria esposa e questionando seu saber
jurídico, transformaram-no em herói nacional, em super-herói, no Batman que
mudaria o país, salvando-o da quadrilha que tomara de assalto o governo de
Gotham City. Pelo voto popular, é verdade, mas isto é apenas um detalhe.
Na mesma
velocidade, o negro outrora pobre alçado ao Supremo no bojo de um projeto
político de empoderamento das classes populares, esqueceu-se disso. Deu de
ombros à própria origem, aos irmãos de classe e de cor. Ignorou que o partido
içado ao governo federal pela legitimidade do voto popular precisava
implementar medidas que de fato sedimentassem o caminho de libertação dos miseráveis.
E embarcou no discurso fácil do falso-moralismo, indo ao cúmulo de transformar
um corriqueiro (mas não menos grave) crime de caixa-dois eleitoral em atos de
corrupção. Ativa, é verdade, mas corrupção.
Lula
saiu da senzala. Dirceu, Genoino, Delúbio, João Paulo, idem. Apostando na luta
institucional, disputando o voto do eleitorado brasileiro, chegaram ao topo da
pirâmide governamental sem jamais abrir mão dos valores da própria origem, sem
jamais ceder às tentações do poder econômico. Barbosa, ao contrário, assimilou
rapidamente os valores da Casa Grande. Deslumbrou-se debaixo dos holofotes, ao
ver-se nas capas de jornais e revista e nas telinhas de TV.
A
máscara caiu, porém. Pés de barro, não resistiu à verdade lançada à sua cara
lavada pelo ministro Luís Roberto Barroso. Deixou escapar, ao vivo e em rede
nacional, um esclarecedor “foi pra isso mesmo”, confessando o artificialismo
que usou para condenar os réus, ato falho que na mesma hora percebeu, mas era
tarde. A confissão estava feita.
Restou,
em seu voto, aliás, em seu discurso “baixa-caixão”, lamentar a “triste tarde”
em que parte da farsa da AP470 foi desvendada e sepultada pela maioria do
Supremo. O milionário Bruce Wayne foi, enfim, revelado à Nação. Nesse discurso,
Barbosa cunhou seu próprio epitáfio, cedendo uma vez mais à vaidade e à
soberba, falando de si e de sua obra: “aqui jaz um trabalho primoroso”.
Primoroso para a classe que ele optou por representar, dos que detêm o poder
econômico no país. À luz da justiça e do Direito, uma merda.
O Brasil
não precisa nem merece um falso herói como Joaquim Barbosa.
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