sexta-feira, 4 de julho de 2008

Nove graus na “escala ACM”

Luís Antônio Albiero (*)

Se a escolha de Luís Donisete Campaci como candidato do grupo de oposição causou fervor nos meios políticos, como qualificar o que resultou da decisão do prefeito Carlos Borsari de impor a candidatura de Roquinho Forner pela situação? Abalo sísmico, terremoto de elevadas proporções? Parece pouco.

O ex-presidente da República João Batista Figueiredo certa feita disse em entrevista, só publicada anos após sua morte, que se fosse possível medir a maldade, o ex-governador da Bahia, ex-ministro e ex-senador Antônio Carlos Magalhães seria unidade de medida. Examinando a política capivariana, Figueiredo bem poderia dizer que a imposição do prefeito Borsari teria registrado uns nove graus na “escala ACM” – reservemos o grau máximo para o próprio coronel baiano, recentemente falecido.

Nada contra Roquinho, muito pelo contrário. Cidadão simpático, amigo de todo mundo, gente boa. Mas como pôde Borsari deixar de corresponder à lealdade que sempre lhe dedicou o vice Arlindo Batagim, duas vezes seu companheiro de chapa vitoriosa e seu secretário? É certo que lealdade é uma plantinha que não costuma vicejar no terreno das manobras políticas, mas o prefeito não precisava ter exagerado.

Quem, em pleno uso das faculdades mentais, imaginaria, um ano atrás, um mês atrás, uma semana atrás, o cenário hoje colocado ao eleitor capivariano? Um confronto entre apenas dois candidatos, um de oposição e outro de situação, ambos novatos na disputa eleitoral, nenhum deles com passagem por qualquer cargo público eletivo. Experientes na administração privada, seja própria (empresários, os dois) ou coletiva (um à frente do CNEC; outro, do Capivari Clube), as semelhanças de perfil, porém, terminam por aí. Campaci tem penetração na classe média, junto aos formadores de opinião, enquanto Roquinho é figura popular com fácil trânsito por todas as camadas sociais locais.

O diferencial significativo entre ambas as candidaturas, no entanto, reside nos processos que a elas conduziram. Campaci surpreendeu ao aproximar-se do grupo de oposição, há quase dois anos, anunciando que contava com o aval de José Carlos Colnaghi, que parecia fadado a ser eterno candidato do PMDB. E não é que tinha mesmo? Colnaghi até esteve na convenção, neste final de semana, e fez discurso apoiando o companheiro de partido. Depois, sorriu-lhe a sorte. Um a um, seus possíveis adversários dentro do grupo foram cedendo espaço. Pela ordem cronológica, Doutor Reis, Doutor André, Rodrigo Proença, Vitão e Vadinho Ricómini, culminando com Júnior Pacheco, que vinha liderando a corrida sucessória com voltas de distância sobre o segundo colocado, mas que na última volta, na última curva, resolveu encostar a Ferrari que pilotava (uma equipe respeitável de nove partidos, com mais de setenta candidatos a vereador). Enfim, entre mortos e feridos, enterraram-se todos. Obstinado, quiçá predestinado, Campaci é o candidato da oposição, agora mais firme do que jamais ele próprio poderia ter imaginado. Vai enfrentar o candidato da imposição.

O mais perspicaz dos eleitores capivarianos está atônito. A surpresa causada pela escolha de Campaci terá provocado algum distúrbio na capacidade de raciocínio de Borsari? Político hábil e experiente, será que ele não percebeu que com Arlindinho, segundo colocado na corrida, ficaria mais fácil vencer? Claro que sim. Mas ele percebeu algo além. Se Arlindinho sempre foi leal, nunca foi bobo. Em campanha, se quisesse ganhar, teria que fazer discurso contrário ao continuísmo. E, claro, teria dificuldades para defender o governo Borsari. A Roquinho só resta fazer a defesa da administração que se encerra, custe o que custar. Ganhe ou perca, é seu dever. Afinal, sua indicação é obra exclusiva do atual prefeito.

Campaci não pode mesmo reclamar da sorte. Ainda que também novato na disputa eleitoral, está em evidência há mais tempo que seu adversário. E tem a seu lado pesos-pesados da política local, como os jovens vereadores Rodrigo, Vitão e André, atuais estrelas da Câmara Municipal, dos poucos exemplos positivos de uma legislatura que se registra na história local por conta de fatos não exatamente abonadores. Tem o apoio dos ex-prefeitos Colnaghi, Júlio Forti e Vadinho, ao lado de muitos ex-vereadores. Tem Júnior Schumacher Pacheco como vice. Mas o fator mais importante é que sua candidatura, a despeito de inevitáveis narizes torcidos, de alguns já contornados descontentamentos nas bases dos partidos aliados, foi construída positivamente. Foi fruto de um longo processo de articulação, que só foi possível graças à disposição sincera de todos os líderes partidários envolvidos, que souberam administrar as próprias vaidades. É ele, pois, candidato de uma união verdadeira, natural, sem artificialismos. Roquinho, ao contrário, é o candidato da ruptura, da quebra de uma aliança histórica, que vitimou não apenas o atual vice-prefeito, Arlindinho, mas também o ex-secretário de cultura, Flávio de Carvalho, que alimentava esperanças de ao menos compor a chapa como vice e que se colocava como alternativa para o cargo principal.

Esse é o quadro, antes inimaginável, imponderável, inverossímil. Sem as históricas estrelas da política local na disputa para o cargo maior que pudessem despertar paixões. Sem grandes causas que pudessem motivar e movimentar o eleitorado. Desenha-se no horizonte um pleito chocho, burocrático. Enfim, vamos ao plebiscito. Renovação versus continuísmo. Oposição versus imposição. Será mesmo? Ou haverá espaço para novos lances espetaculares, novos terremotos? Fiquemos de olho nas oscilações da “escala ACM”.
(Luís Antônio Albiero, 44, advogado, ex-vereador de Capivari, assessor jurídico dos deputados estaduais do PT na Assembléia Legislativa de São Paulo)

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