terça-feira, 14 de novembro de 2006

Coletânea de textos

Seguem, abaixo, dois textos que escrevi antes do período eleitoral. O primeiro foi amplamente divulgado. O segundo ficou restrito a uma lista da qual participo. Publico-os agora para que fiquem registrados no meu blogue.


Obs.: o texto abaixo foi escrito em 21 de abril de 2006

Com orgulho e com muita honra

Eu dancei a dança da justiça quando vi o resultado que absolveu e livrou da cassação o deputado José Mentor. E pensar que faltaram míseros dezesseis votos para que uma enorme injustiça fosse praticada pela Câmara Federal, maior até do que a que decretou a perda do mandato de José Dirceu. Inspirado nos passos corajosos da companheira Ângela Guadagnin, festejei com o que chamei de “dança da justiça e da verdade”.

Se contra Dirceu não se provou absolutamente nada, Mentor havia provado com documentos a origem lícita dos valores que recebeu a título de honorários, não das “empresas de Marcos Valério”, como tem sido noticiado, mas de um cliente de seu escritório de advocacia que é sócio do empresário mineiro. Diferentemente dos demais casos dos parlamentares, que receberam dinheiro para custear despesas de campanha eleitoral sem contabilizar, Mentor emitiu recibo e notas fiscais e recolheu os tributos incidentes sobre os honorários. Ora, “caixa dois” não se declara!

O episódio da tal “dança da pizza”, forma desrespeitosa como adversários e mídia trataram a maneira com que a deputada Ângela Guadagnin expressou sua alegria num raro momento em que a Câmara houvera feito justiça, talvez tenha sido o símbolo maior da letargia que tomou conta dos petistas em geral. Sim, pois ao invés de reagirmos com altivez e indignação, a maioria de nós optou pela indiferença. Isso me fez lembrar outros episódios, quando companheiros nossos de proa, deputados federais, senadores e até ministros, em programas de televisão como o do Jô Soares, no afã de salvar a própria pele e fugir ao debate, engoliram a isca e deixaram prevalecer a premissa, falsa, de que houve corrupção no nosso governo envolvendo companheiros do partido. Não houve, e é preciso dizê-lo de forma corajosa, sem medo de nadar contra a corrente, sem receio de ferir uma “verdade” estabelecida pela sistemática repetição da mentira que nela se encerra.

Não temos nada do que nos envergonhar. Ao contrário, temos motivos de sobra para nos orgulhar da nossa trajetória, da nossa inegável contribuição para o progresso democrático, social e econômico do Brasil.

Mostramos, desde o nascedouro nos anos 80, que é possível construir um partido de trabalhadores, no qual se pratica a verdadeira democracia, em que as decisões são tomadas de baixo para cima. Um partido sem caciques, embora com líderes que conquistaram reconhecimento e respeito justamente por seu caráter, por sua honestidade, sua coragem e sua ética.

Devemos nos orgulhar de termos criado e desenvolvido a gestão democrática e transparente da coisa pública, por meio do orçamento participativo, modelo que tem sido copiado em diversos países, inclusive os ditos desenvolvidos. Temos que nos orgulhar da importância da nossa luta pela redemocratização deste país e pela consolidação das nossas instituições, que hoje funcionam sem qualquer risco. Devemos comemorar até o fato de o procurador geral da República ter denunciado nossos próprios companheiros, ainda que baseado em indícios forjados por testemunhos suspeitos, porque essa é a prova cabal de que o Ministério Público tem tido total liberdade para agir, ao contrário do que ocorria durante o governo anterior, quando o ocupante desse mesmo cargo, talvez por ser “brindeiro”, costumava “brindar” os governantes da época com sucessivos engavetamentos de graves denúncias.

Temos que nos orgulhar de nossos governos municipais e estaduais, que proporcionaram melhoria da qualidade de vida às respectivas populações, e de nossos parlamentares, que sempre ensinaram como fazer oposição de verdade, honesta, com absoluta independência, e agora demonstram como defender um projeto de governo democrático e popular sem precisar de “mensalões” ou outro fator motivador que não seja a própria consciência.

E hoje, sobretudo, podemos nos orgulhar de ter um governo federal que vem somando conquistas em todas as áreas, reduzindo as desigualdades que há séculos marcam a população brasileira.

No âmbito social, ampliou o programa bolsa-família e promoveu a inclusão de milhões de famílias, fazendo com que o programa perdesse aos poucos seu caráter meramente assistencialista, como era no governo anterior, até se transformar num instrumento de cidadania, com repercussões na formação escolar, no atendimento à saúde e na segurança alimentar dos beneficiários.

Na educação, vimos o governo federal atuar na melhoria do ensino fundamental (tarefa a rigor reservada a municípios e estados), dar os primeiros passos para a democratização racial das universidades e promover o melhor aproveitamento das vagas nas faculdades particulares, destinando-as a jovens carentes por meio do Pró-Uni.

Na economia, por mais que os caolhos recusem-se a enxergar, reduzimos os juros a níveis jamais vistos na era tucana, fizemos cair o tal “risco-brasil”, elevamos nossa capacidade de atrair investimentos, ao mesmo tempo em que alavancamos as exportações, criando as condições necessárias para nos livrarmos do jugo do FMI. Hoje, podemos com orgulho dar o verdadeiro grito de “Independência!”, sem que a alternativa tenha sido a “morte” ou qualquer outra opção trágica; bastaram competência, seriedade e coragem. Pagamos a dívida externa sem vender (nem doar, como fizeram os tucanos) nossas empresas estatais. Ao contrário, a Petrobrás teve crescimento recorde e hoje podemos festejar a conquista da auto-suficiência do país em petróleo. E, de quebra, dominamos uma tecnologia de ponta no âmbito do Proálcool e investimos firmemente em outras modalidades de biocombustível.

Temos que nos orgulhar e comemorar os milhões de novos empregos gerados e o crescimento paulatino da renda do trabalhador, tudo isso sem o menor risco de retorno da inflação. E, com igual orgulho, vimos nosso governo pagar aos aposentados as dívidas deixadas pelo anterior e proporcionar-lhes ganhos significativos em sua renda.

Também nos causa extremo orgulho o respeito que o Brasil conquistou no plano exterior, sobretudo consolidando seu papel de líder na América Latina, sem recorrer a apelos nacionalistas como fazem alguns vizinhos. O mundo reconhece a estabilidade de nossas instituições e o sucesso da nossa economia.

E, por menos valor que as pessoas possam dar a isso, devemos nos orgulhar também do incansável combate que o governo federal empreendeu à corrupção e ao crime organizado. A Polícia Federal jamais trabalhou tanto quanto durante o governo Lula, seja no combate à sonegação fiscal, ao contrabando e ao tráfico de drogas, seja inclusive no desmantelamento de esquemas de corrupção encastelados na própria máquina federal desde tempos anteriores, como a “máfia dos vampiros” herdada da gestão de José Serra no Ministério da Saúde.

Por todos os ângulos que analisemos, encontraremos sempre fatores positivos que devem encher nosso peito de orgulho. Por isso, companheiras e companheiros, nada de desânimo! Falaram e continuarão falando mal de nós como quem calunia nossa família, e a nossa reação deve ser a da indignação. Nossa resposta tem que ser altiva, à altura da nossa história. É hora de tirarmos o pó da bandeira que deve estar dobrada em algum cantinho de alguma gaveta e empunhá-la com firmeza, meter a camiseta vermelha, pôr o velho broche com a estrelinha no peito e sair às ruas, dançando a “dança da justiça e da verdade” e entoando o grito de guerra “um, dois, três, Lula outra vez”! E, no carro, botar um adesivo: “Sou PT. Com muito orgulho e com muita honra!”.

Obs.: o texto abaixo foi escrito em 23 de abril de 2006, em resposta a crítica recebida em razão do texto anterior:

Meu caro W*,

Obrigado pelas referências feitas a mim, as elogiosas e também as críticas. Quanto às boas referências, a recíproca é mais do que verdadeira. Sou um admirador do seus textos, você é escritor de verdade.

No que concerne às críticas, recebo-as com carinho e humildade. A propósito, dizer que o PT, ou, pior, que todo petista é arrogante, creio seja de enorme injustiça. Permita-me dizê-lo. Na minha militância política, neste rincão esquecido do mundo que é Capivari, carreguei por muito tempo e ainda carrego, por parte de meus opositores, a pecha de "arrogante". Não gosto. De todas as acusações que me possam fazer, é a que mais me dói, porque eu sei o quanto é preciso a um político ter a humildade para ouvir o outro lado, ouvir as pessoas nas ruas, compartilhar os espaços de poder, coisas que fiz e continuo fazendo na minha militância.

Ocorre que defender pontos de vista com convicção passa, por vezes, a imagem de arrogância. E a acusação nesse sentido muitas vezes flui naturalmente, por falta de argumentos de quem a faz. Sei que não é o seu caso, sei que você tem estofo intelectual suficiente para debater em alto nível qualquer questão. Por isso, se do chão da minha humildade você me permite um conselho, evite chamar o interlocutor de arrogante.

No mais, permita-me igualmente enxergar a situação com os olhos que tenho, e que são os olhos de quem está dentro. Trocadilhos à parte, são os olhos de quem está no olho do furacão. Sim, não somente porque sou integrante de um partido que de uma hora para outra passou a sofrer ataques injustos, mas porque, como candidato a prefeito que fui em minha cidade (terminei com ridículos 4% dos votos...), sei o que é uma campanha política, sei quais são as regras do jogo e sei onde estão as verdades e as mentiras.

Eu não sugeri, em meu texto, que "só o PT pode fazer" isto ou aquilo. Esse viés arrogante enxergado por você, caro W*, não é fruto da minha intenção. O PT não fez sozinho a auto-suficiência do Brasil em petróleo, é claro. Começou lá com Monteiro Lobato, é evidente. Mas as condições ideais para que isso tudo acontecesse deu-se no governo Lula. E o resultado está aí.
Não há "vestais do PT", nunca houve, nem há nele quem se acredite puro. A falta de argumentos é que fez e continua fazendo adversários dizerem isso do PT. Não se negue ao PT, porém, o fato histórico de que foi o PT que introduziu a discussão sobre ética na política. Todavia, o partido não detém o monopólio da ética, naturalmente. Infelizmente, a disputa eleitoral, a guerra que se trava pelo poder, não se pauta pela ética. A começar pelo financiamento de campanhas. Os adversários de Lula e do PT demonstraram, da forma mais cabal possível, que não têm ética para fazer oposição. A cassação de José Dirceu foi o exemplo mais gritante disso. Cassaram-no por quê? "Porque chefiou uma quadrilha de corrupção", dirão os apressados levados pela propaganda da mídia patrocinada pela elite conservadora. Mas qual centavo ele extraiu de qual cofre público, para qual destino? De qual centavo ele se apropriou e se enriqueceu? Qual o contrato irregular que tenha favorecido esta ou aquela pessoa, extraído de cofres públicos? Não há, caro W*, e é preciso encarar os fatos. Você disse de parlamentares que teriam "confessado" isso ou aquilo. O único confesso de que me lembro foi o sr. Roberto Jéferson, que manteve no início do governo Lula o esquema de corrupção que ele houvera montado em governos anteriores, FHC inclusive. Descoberto, jogou lama no ventilador, atirou para todo lado. Foi cassado por isso e por ter mentido a respeito do tal "mensalão". No caso dele, foi feita justiça, evidentemente.

E José Dirceu? Foi cassado sem provas, sem respaldo fático. Fizeram investigações 24 horas por dia, com câmeras aqui e acolá, gravações telefônicas e todos os recursos possíveis, e não se levantou absolutamente nada de concreto contra ele, nem contra Gushiken, nem contra qualquer membro do PT que integre o governo federal. Valeram os discursos, a gritaria da oposição, a mídia embalando tudo.

Dos que receberam dinheiro para financiar campanhas políticas, em nenhum caso se levantou que o dinheiro teria saído dos cofres públicos. Amigo, digo de cátedra. Empresário não gosta de aparecer em campanha. Contribui, mas não quer aparecer. Fiz uma campanha paupérrima a prefeito de minha cidade, que mal chegou a 20 mil reais (os demais candidatos gastaram cerca de 1 milhão, um deles; 150 mil, outro; e R$400 mil, o outro). Teve empresário que doou R$100,00, R$500,00 para a minha campanha (e dez vezes para os outros), mas disse que não queria recibo. Sem recibo, não pude contabilizar.

Fiz dívidas. Imagine agora um país inteiro ligando para o tal Delúbio, "cara, preciso de grana para pagar contas de campanha, você é o tesoureiro nacional, tire a bunda da cadeira e se vira, meu!". Eu não liguei, porque mal tinha ouvido falar em Delúbio. Falava com o Toninho, tesoureiro do diretório estadual, que foi inflexível. "Não temos dinheiro", e ponto.

Falando por mim, eu estou economicamente falido, pus minha casa à venda, meu nome está no Serasa e tudo mais. Agora, pense. Você, ciente da minha situação, propõe-se a me ajudar. "Albiero, vai aí uma contribuição de 100,00". Ok, aceito. Sabe o que aconteceu? Acabamos de praticar o tal "caixa 2". Porque a esta altura já não dá para contabilizar mais nada, o prazo é de 30 dias após as eleições. Foi isso o que aconteceu com os deputados que receberam dinheiro do tal "valerioduto", que muito provavelmente canalizava dinheiro de empresas privadas que, para não aparecer, faziam a filtragem por intermédio de uma empresa de propaganda, a do Marcos Valério. Milagre não se faz. É preciso dinheiro para fazer campanha (tanto que já anunciei minha desistência. Continuo militando etc., mas candidato, não sou mais).

Qual a alternativa a obter doações de campanha? Ou vamos em busca das tais, ou desistimos e mantemos a elite governando. Será que política não é mesmo para pobre? A lógica da elite conservadora é essa. "Pobre tem que trabalhar e produzir, governar é com a gente", pensa-se. Casa grande de um lado, senzala do outro.

Daí que sempre que Lula toca no assunto, ele diz que precisamos urgentemente instituir o financiamento público de campanha. Não vai resolver, não vai impedir sacanagem, mas vai garantir um mínimo para que um cara como eu possa fazer uma campanha minimamente visível. É o preço da democracia. Para eleger-se na minha cidade, por exemplo, o candidato a prefeito tem que comunicar-se com mais de 30 mil eleitores. Isso custa dinheiro. Papel, bâner de poste, programa de rádio (aqui não tem TV local), comícios, meninas bandeirando nas calçadas, peruas com som tocando musiquinha pelas ruas etc. Não só para comunicar as propostas, mas para mostrar força política. Minha campanha não teve nada disso, com exceção do rádio e de santinhos produzidos pelo próprio partido. Resultado: as pessoas diziam: "ah, esse é bom, mas não tem chance".

Você cita Ângela Guadagnin. Você certamente não a conhece. É uma das mais valorosas parlamentares que este país já produziu. Foi excelente prefeita em São José dos Campos. É séria, age com ética, tem um trabalho valioso. E, no entanto, porque teve a infeliz iniciativa de expressar sua alegria num raro momento em que uma decisão política da Câmara produziu justiça, passou a ser ela o bode expiatório, a bola da vez, o alvo da mídia. Injustiça! Espezinharam José Genoíno, espezinharam Lula.

Mas o povo é sábio. Está conseguindo separar o joio do trigo. Sei que valem mais os resultados positivos do governo do que o viés ideológico, a disputa que embala oposicionistas e governistas. Um revés qualquer do governo pode pôr tudo a perder, eu sei.

Tenho comigo, caro W*, a firme convicção de que lá nos anos oitenta, quando eu mal completara os vinte anos, eu fiz a opção correta. Ajudei, creio, a construir um partido em que cada menor filiado tem vez e tem voz. Dia 7 de maio estaremos todos votando nas prévias do partido, para escolher os candidatos a governador. E como foi a decisão no PSDB? Foi feita por um triunvirato. Você tem conhecimento da disputa fratricida que ainda está sendo travada entre Serra e Alckmin? Você acha que as denúncias em relação à Nossa Caixa são fruto da fiscalização que os parlamentares petistas permanentemente fazem em relação ao governo do Estado? Engano seu, meu caro. É Serra e seu grupo quem está alimentando todas as denúncias contra Alckmin. Serra tem espaço na Folha de São Paulo, enquanto o Estadão serve aos interesses de Alckmin.

O PT é democrático e preza a democracia. Às vezes, até se excede, mas é nesse partido que eu pretendo continuar militando e ajudando a crescer, a governar este país e a dar ainda maior contribuição para o seu progresso econômico e social. Como eu disse no texto, com muito orgulho e com muita honra. Respeitando, é claro, as conquistas obtidas por outros partidos e outros governos...

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